Os loucos, como qualquer pessoa considerada “normal”, também têm sonhos, desejos, ambições e vontades.

E isso fica muito claro quando Elisângela, personagem do documentário A Loucura Entre Nós, diz: “A única coisa que eu quero na vida é trabalhar. Todo mundo nessa vida quer trabalhar e ter dignidade”.

O filme marca a estreia da baiana Fernanda Fontes Vareille, 34 anos, em longa-metragem. “Nós buscamos mostrar a singularidade das pessoas que estão em estado de sofrimento psíquico. E buscamos fazer isso sem nenhum tipo de sensacionalismo”, diz Fernanda.

A diretora interessou-se pelo tema após conhecer o livro homônimo (A Loucura Entre Nós), de autoria do psicanalista Marcelo Veras, que foi diretor do Hospital Juliano Moreira por sete anos. No livro, Marcelo relata a experiência de aplicar a psicanálise ao tratamento dos pacientes daquela casa.

Conquista

Fernanda, que é bacharel em Direito e estudou cinema em Londres, leu o livro e decidiu ir, pela primeira vez, a um hospital psiquiátrico. De maio de 2011 até o início de 2014, foram inúmeras visitas ao local, resultando em mais de 300 horas de filmagem.

Leia mais: Manicômio brasileiro que arrecadou R$600 mil com venda de corpos

A diretora reconhece que, no começo, não foi fácil convencer os profissionais do Juliano Moreira a deixá-la filmar ali: “Foi um processo de conquista lento, bem devagar. Eu precisava mostrar que buscava um outro olhar sobre aquelas pessoas”.

Fernanda diz que, por outro lado, os internos aceitaram a presença das câmeras com facilidade: “Num primeiro momento, as pessoas vinham até nós, atraídas pela câmera, que tinha um certo magnetismo. Mas, depois que começamos a ir com frequência, eles se acostumaram”.

Duas pacientes do hospital interessaram-se especialmente pela filmagem e chamaram a atenção da diretora: Leonor e Elisângela. O filme registra encontros das duas mulheres com seus familiares e mostra alguns momentos delas fora do Juliano Moreira.

Leia mais: Diferença entre transtorno e problema psicológico

Fernanda ressalta que o filme não é um estudo científico a respeito da loucura, tanto que não há depoimentos de especialistas no longa. Além disso, os entrevistados raramente depõem para a câmera. “Há muito mais observação que entrevistas, mas, às vezes, os próprios pacientes falavam espontaneamente para a câmera”, revela.

O surgimento de Leonor e Elisângela como protagonistas do documentário foi espontâneo, segundo Fernanda. A diretora diz que um momento especial marcou o seu trabalho: “Presenciei um surto de Leonor. Aquilo foi revelador e, de certa forma, influenciou na direção do filme. A realidade passou a ser mais dura do que imaginávamos. Perdemos a ingenuidade”.

Cuidados

Durante as visitas ao Juliano Moreira, a equipe técnica tomou cuidado para não ser invasiva e, para isso, contou com apoio dos profissionais do hospital. O mesmo ocorreu em relação a Elisângela e Leonor. “Fomos sempre aconselhados por pessoas ligadas a elas”, diz Fernanda.

Leia mais: 18 de Maio, Dia da Luta Antimanicomial: uma luta pela subjetividade

O autor do livro que deu origem ao filme, Marcelo Veras, 55, carioca radicado na Bahia, diz que uma das principais discussões do filme é sobre a segregação que a sociedade promove entre os que sofrem transtornos psiquiátricos e os considerados “normais”. “Quando Elisângela diz que a única coisa que ela quer é trabalhar, essa segregação fica clara. O índice de empregabilidade dos loucos é zero”, diz o psicanalista.

Marcelo ressalta que os loucos precisam ser vistos como sujeitos, como propõe o filme: “A subjetividade é resgatar o que as pessoas têm de diferente entre uma e outra. O filme não mostra a loucura, mas mostra vidas. Vidas que são atravessadas pela loucura”.

(Autor: Roberto Midlej)
(Fonte: correio24horas.com.br)

RECOMENDAMOS




A busca da homeostase através da psicanálise e suas respostas através do amor ao próximo.

1 COMENTÁRIO

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui