Não dá pra botar panos quentes: escolher dói. Optar é desistir de viver parte das possibilidades – o que pode dar muito certo, mas também pode te lascar lindamente.

E muitas vezes não dá pra voltar atrás numa decisão, porque alguns portais são mágicos e se fecham para sempre. Apesar dos riscos e das dores, porém, uma coisa é certa: uma decisão bem decidida não tem preço!

Fazer escolhas nem sempre é fácil… Porque decidir significa trilhar um caminho e rejeitar outro. Significa apostar num pedaço de história e virar a página de outro. Significa abraçar uma verdade íntima e cruzar os braços pra outra.

Decidir envolve a difícil tarefa de abrir mão. E abrir mão é dureza. Dureza, muitas vezes, até quando a situação da qual desistimos não era tão promissora pra gente – mas ainda assim era um lugar conhecido e no qual sabíamos nos locomover, mesmo que com pernas cansadas e coração machucado.

Quando crianças, precisamos escolher entre o picolé de morango e o de chocolate. A gente escolhe o de morango, é delicioso, mas ó céus, que sabor teria o de chocolate? No dia seguinte lá estamos nós na sorveteria de novo. E agora? Arriscamos o chocolate ou escolhemos o caminho já seguro e conhecido do morango?

E assim a vida segue. Dos picolés passamos pras capas do caderno da escola, pra arte e o desastre de trocar papel de carta e bolinha de gude, pros bailinhos da adolescência, pra trágica – e tão, tão, tão precoce! – definição do que prestar no vestibular…

E as decisões da vida só vão se complicando. Depois vem o mercado de trabalho, vem o cheque-mate com relação às nossas prioridades de vida, vem a consolidação das amizades, vem as questões financeiras, vem a avalanche de tudo que é coisa que acompanha essa tal liberdade da fase adulta.

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A vida é uma grandessíssima curiosa, que testa nossa autonomia de decisão o tempo todo. Algumas dessas decisões a gente toma no modo automático, outras demandam umas contas no Excel; ou na calculadora financeira; ou na calculadora da alma. Tem decisões que pedem um demorado banho de sal grosso com arruda antes, outras exigem uma dose caprichada de cachaça depois.

Tem decisões que até precisariam, mas não conseguem ser rápidas. Porque a gente ainda tem esperança de poder decidir pelo caminho que queremos ao invés de já se enfiar logo no caminho que precisamos.

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Sim, algumas decisões matam a esperança, de morte bem matada – e essas são as mais duras de se tomar. Essas exigem muitos banhos de sal grosso e muitas doses de cachaça para se definirem, porque né, matar a esperança exige coragem de cabra macho sim sinhô.

Porém é forçoso admitir que nem sempre encontramos essa tal coragem no baú dos nossos propósitos. E por isso em muitas situações a gente simplesmente toma a decisão de não tomar nenhuma decisão. Pode soar estranho, mas não escolher é também uma escolha. Sabemos que não há plenitude, que não há perspectiva de melhoria…

Mas sabemos também que optar por outra rota demandaria abandonar a famosa zona de conforto, demandaria adaptação doída. E então a gente fica ali: sem mudanças, sem alegria, sem novidades, sem expectativas, apenas empurrando a situação com a barriga sabe-deus-até-quando.

Talvez por pouco tempo, talvez pra sempre. Ficar em cima do muro é escolher a passividade à atividade. É escolher o conformismo. E portanto não decidir é, sim, uma decisão legítima também – e merece todo respeito.

No fim das contas, toda decisão é um encontrar(-se) e um perder(-se). Mas toda decisão bem orientada – seja pelo cansaço de um coração que não consegue mais acreditar ou pela exaustiva análise de uma cabeça bem pensante – tem um valor incomensurável. Ainda quando dói, ela liberta. Porque tem o poder de resolver.

Lidar com a dor de uma decisão bem orientada é melhor que lidar com o desgaste de uma situação que se prolonga sem fim, apesar dos nossos investimentos – sejam eles materiais ou emocionais. Pelo menos a dor é definida, é palpável, é concentrada em si mesma, como uma esfera pesada e incandescente que nos é lançada às mãos.

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Mesmo não sendo fácil, sabemos o porquê dela, podemos lidar com ela. E depois de bem processada, ela simplesmente se vai – e um ciclo novo ganha espaço pra começar.

Situações complicadas que não se descomplicam apesar de toda nossa vontade e energia demandam um trabalho danado, um sacrifício que machuca, que ameaça a paz da nossa alma, a alegria de viver do nosso espírito. E ao contrário da dor, situações complicadas não nos dão garantia de resolução só porque optamos por insistir mais e mais.

E assim tocamos o barco, entre encantos e desencantos, entre caminhos novos e rotas abandonadas.

O mais bonito é que, enquanto a gente lida com a esfera incandescente que nos queima as mãos, nos pegamos muitas vezes pensando se o picolé de chocolate não era realmente o mais gostoso. A gente vive a infância inteira no morango e só vai ter coragem do chocolate depois dos 30.

Será que ainda há tempo de experimentar o chocolate? Podemos tentar… Mas se ele já não existir na sorveteria das possibilidades, talvez seja hora de ousar, esquecer definitivamente o morango, o chocolate e partir pro sorvete de jaca com alecrim. Porque às vezes é só com ousadia que a gente descobre os sabores mais incríveis da vida!




Graduada em Letras, com MBA na área de Engenharia da Qualidade, não trabalha nem numa área, nem na outra - o que mostra que nem tudo é linear nessa vida. Não é terapeuta, nem psicóloga; está começando a tatear seus caminhos profissionais na astrologia (porque é por ali, no meio das estrelas, que o coração dela estacionou há tempos...). Tirando a parte dos rótulos, ela é apenas uma dessas pessoas que tentam viver com ética, bom humor, leveza e autenticidade - e que nem sempre conseguem, mas continuam tentando. Escrever foi a forma que ela encontrou, desde muito criança, para organizar a bagunça da mente e do coração. Por sorte, tem funcionado desde então. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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