O mundo mudou, e isso a gente já sabe. A tecnologia surgiu para nos deixar mais modernos, mais conectados, mais espertos e talvez até mais capazes de realizarmos feitos incríveis e inimagináveis.

Por conta da internet, e de todos os avanços que ela tem nos proporcionado até hoje, matamos a saudade de quem mora longe, fazemos amigos em todos os cantos do país e até compramos no outro lado do mundo sem tirar os pés de casa.

Porém, ao mesmo tempo em que vibramos com as conquistas desse tipo de evolução, deixamos para trás outra necessidade básica do ser humano: a de tocar o outro. E quando digo isso, veja se consegue me entender, estou querendo falar no toque da mão, no cafuné, no abraço que aperta – e desaperta tantos nós.

A tecnologia nos fez crescer, mas para dentro de nós mesmos (e só). Esquecemos a alegria da troca de olhares, de jantar junto, de sentar na pracinha sem um celular nas mãos e o WhatsApp vibrando o tempo inteiro com uma mensagem que fala de afeto.

Da mesma forma, também esquecemos as bolas de gude, o jogo do taco e a casinha enfeitada com panelinhas e fogão de brinquedo. Ficou para trás o jogo de cartas, de mímica e o bambolê. Não se fala mais no esconde-esconde, no stop e nem mesmo na Turma da Mônica.

Hoje as brincadeiras são outras, as curiosidades mudaram e uma geração inteira já nasceu conectada. Ao mesmo tempo, e não podemos dizer ainda se isso é bom ou ruim, as próximas gerações virão ainda mais para dentro da tela do celular. Sabe, tenho acompanhado a repercussão do tal jogo da Baleia Azul e uma tristeza me abateu essa semana.

Não apenas pelo trágico destino de quem aceita 50 desafios, sendo que o último é tirar a própria vida. Pessoas de 12, 14, 16 anos desenham baleias nos braços com lâminas afiadas, se arriscam subindo em lugares muito altos e se atiram de prédios em busca de alguma coisa que nós, os mais experientes nesse mundão de meu Deus, não estamos sabendo lidar.

A minha tristeza também é pelos comentários agressivos e raivosos que envolvem os pais dessas crianças e adolescentes. Os juízes do mundo – que se autodesignaram como tais, os declaram culpados. É porque não dão atenção, não conversam dentro de casa, não procuram saber onde seus filhos estão e por aí vai.

Fiquei triste, absurdamente triste ao saber que a mãe de uma menina que se jogou de um décimo andar qualquer está com medo de ser hostilizada na rua. Desde então, e lá se foram alguns dias, ela não colocou os pés fora de casa.

Sobre essa família? Não os conheço, só sei que o pai trabalha 19 horas como porteiro e a mãe mais ou menos isso também, mas fazendo comida caseira para vender no bairro em que mora. É que a ideia sempre foi poder pagar uma faculdade para os filhos, coisa que os dois não tiveram a oportunidade de fazer.

Sei também que a tia dessa menina estava preparando uma festa surpresa para comemorar o aniversário da garota, teria bolo, docinhos, salgadinhos, DJ e mais uma porção de coisas que a família combinou.

Não teve aniversário, teve velório.

O problema não está nos pais, nos avós, na escola ou nos professores, mas no mundo. É o mundo que adoeceu com o excesso de informação que recebeu. São crianças e adolescentes com um poderoso instrumento nas mãos, que pode ser utilizado para pesquisar sobre a história do Brasil ou para encarar os desafios da Baleia Azul.

A culpa é de ninguém e de todo mundo, entende? É hora de arregaçar as mangas, juntar as mãos e humanizar as relações, como era no início de tudo. Precisamos de bons exemplos na política, de professores e policiais bem remunerados e valorizados e de empresários mais engajados com todas as causas que visem a diminuir as diferenças, sejam elas quais forem.

Não culpem os pais e não condenem todos os casos baseados em um ou no que diz a televisão. Aliás, não condenem nenhum. Vamos parar de apontar para as pessoas e usar nossa força para buscar soluções.

Acredito que juntos faremos muito mais do que separados e ainda creio que o amor é sempre maior e mais forte do que o ódio. Não precisamos apenas cuidar das crianças, mas de todas as pessoas desse mundo.

Há um furo imenso no meio da gente e não fomos nós os causadores desse rombo. É que o mundo mudou e nós não mudamos com ele, pois somos humanos, de carne e osso, sentimento, coração, pulsão e ansiedade, muita ansiedade.

Não sei muito bem o que fazer e menos ainda como ajudar o mundo, porém, todos os dias busco fazer um pouco pelos que me rodeiam. O toque de acordar já foi dado inúmeras vezes e parece que ainda continuamos adormecidos.

Precisamos aprender a usar a tecnologia a nosso favor, pois é para isso que ela foi feita. E se não foi, temos que nos esforçar para mudar isso. Como? Discutindo, debatendo, confortando os que perderam seus amores nestas tragédias do mundo moderno.

Precisamos amar mais, abraçar mais, tocar mais, sorrir mais, elogiar mais, jantar junto, tomar banho de chuva, andar de trem, correr de mãos dadas, brincar na areia até sujar a roupa inteira. Vamos fazer uma corrente para que a tecnologia venha trazer a cura do câncer, da Aids, das tristezas profundas que abalam os que adoeceram da alma.

Vamos amar como se houvesse amanhã, pois ele existe e há de ser uma nova chance para que filhos, pais, netos e todo mundo comemorem a bênção de um passeio no parque, sem 3G, 4G, sem G algum.

Que seja só a conexão do “eu te amo” dito, falado e ouvido sem a ajuda do teclado. Que as crianças corram atrás da bola, do amiguinho e de seus sonhos. É isso o que queremos para elas, não é mesmo?

No fundo, bem profundo, o mundo só quer amar porque é isso que nascemos para fazer.

(Imagem: Antoine Beauvillain)




Ju Farias é jornalista, poeta e escritora. Autora do livro Com licença, posso entrar?, que já está esgotado nas livrarias, a gaúcha já prepara o lançamento da sua segunda obra, com título provisório de "Cá entre Nós". É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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