Por esses dias ando um pouco triste. Triste e angustiada. Não, não é verdade. Eu só queria saborear as palavras “triste” e “angustiada”. Se eu estivesse triste, acho que a palavra triste me definiria bem. Não a palavra triste no sentido de que a palavra esteja triste, mas no sentido de que a palavra “triste” definiria meu sentimento.

O mesmo serve para a palavra angustiada, não a palavra estando angustiada, mas…bem, vocês entenderam. Fato é que as palavras dão forma aos sentimentos. Estar angustiado, por exemplo, é diferente de estar ansioso. Pense nas palavras, sinta a diferença. Diga: hoje estou angustiado. Tente sentir a angústia. Bem, agora diga: estou ansioso. Sentiu? A ansiedade faz cócegas no estômago e bem no comecinho do intestino delgado, já com a angústia, parece que o buraco é mais embaixo. Ou melhor, mais em cima. A angústia faz assim uma espécie de compressão no peito, atinge pulmão, traqueia, algo por ali. Ambos viscerais. Os sentimentos, as palavras.

E o que dizer daquele que fala: estou depressivo, ou deprimido. Acham que as duas são iguais? Eu não as vejo assim. De novo, sinta o gosto das palavras. Quando digo: estou deprimido, parece que tem uma grande sola de sapato me espremendo de cima pra baixo. Já quando digo: estou depressivo, parece que carrego pesos nas pernas e me arrasto lentamente. Assim é que sustento firmemente, e nisso não estou sozinha, que as palavras andam ali, coladinhas com os sentimentos. Podemos dizer mais! Podemos dizer que os sentimentos só são possíveis por causa das palavras. Foi com isso na cabeça que morri de rir com meu marido quando nos demos conta de que a forma como definimos nossos sentimentos anda meio ultrapassada. Logo depois me bateu um desespero porque em breve não conseguirei mais me fazer entender, a não ser que comece logo a mudar meu vocabulário. Tive que pedir ajuda aos meus amigos para escrever esta crônica. Agora entenda o motivo.

Tive que me espremer para me sentir bolada. Não consegui. Inseri a palavra algumas vezes durante vários dias, tentando fazer com que minha mente se adequasse com a nova forma de estar… estar… como definir isso? Estar bolado seria o mesmo que estar #xatiado? Se você consegue se sentir assim depois de mastigar a palavra, parabéns, você já caminhou um passo na compreensão dos sentimentos modernos. Confesso que não sou tão retrógrada assim. Eu consigo, por exemplo, ficar de cara. Também sei exatamente como é bom estar de boa. Duvido que meu pai fique de cara. Quando eu era criança, ele ficava furioso mesmo. E ver meu pai furioso era como se o mundo estivesse acabando. Você, pessoa que nasceu de 2000 pra cá, já se sentiu #furiosa? Ou será que seu estilo está mais para o suave na nave?

Se penso na diferença entre estar depressivo ou deprimido, tento imaginar como seria estar deprê. Se o depressivo carrega um peso nas pernas e se arrasta lentamente, o deprê não tem muito saco e não quer perder muito tempo. Melhor cortar a palavra pela metade e, assim, quem sabe essa bad não passa logo hein? Você, coleguinha que já passou dos trinta, não se acanharia em chegar num jovem que nasceu de 2000 pra cá e perguntar: “Você está triste?”, “O que o está deixando angustiado?”. A pessoa te lançaria um olhar jurássico e diria: “Não tio, só tô meio de fossa, borocoxô. Na sofrência aí por uma mina (???)”. Fossa – fosso – buraco. Borocoxô – um saco murcho, esvaziado, de tanta tristeza. Sofrência – um sofrimento meio sertanejo.

É preciso se adaptar aos novos tempos. Às novas palavras e aos novos sentimentos. Senão, vai dar ruim pa tu.




Psicóloga clínica, psicanalista, membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano - Fórum do Campo Lacaniano de MS. Revisora de textos na Oficina do Texto. Especialista em Direitos Humanos pela UFGD e em Avessos Humanos pelo Ágora Instituto Lacaniano. Mestre em Psicologia pela UFMS. Despensadora da ciência e costuradora de palavras por opção. Autora dos livros Costurando Palavras: contos e crônicas (2012), Em defesa dos avessos humanos: crônicas psicanaliterárias (2014) e do romance Nau dos Amoucos (2017). Mãe do Adriano.

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