Comportamento

Oi, tudo bem? Sou demissexual

Este texto é uma narrativa baseada na minha experiência (de uma demi hétero-romântica [olha outro termo aí!] o que não significa que todos os demis sejam assim). O espectro da área cinza é gigantesco e minha intenção aqui não é definir a demissexualidade, mas sim contar como ela é pra mim, ou seja, falar de uma nuance. O assunto é bem complexo e tem muitos textos ótimos e completos que, esses sim, trazem uma explicação bem detalhada sobre o assunto. Este texto é uma introdução “lúdica” ao assunto.

Dias desses uma amiga veio falar comigo no WhatsApp:

— E aí? Tudo bem? Como tá na França?

— Oi, tudo bem e aí? Aqui tá tudo certo, muito frio. (:

— Que bom! Mas, e os gatinhos?

— Nem pensei nisso. Tô trabalhando bastante, bem feliz com o estágio.

— Nossa, mas não rolou nem uma paquerinha?

— Hum… não.

— Nossa, como você é calma.

Então, não é calma. Eu sou demissexual, mas por mais que eu tente explicar, ninguém entende. Mais do que não entender, tem gente que não respeita.

Esses termos são relativamente novos e ninguém é obrigado a saber, isso não é ignorância. Ignorância é não querer saber. É achar ridículo, achar que é bobagem, que tem cura, que dá pra mudar. Não. Nasci assim, tô muito bem com isso e não quero mudar.

Mas, afinal, o que é ser demissexual? Tia Lidia te explica.

Sendo (bem) breve, nesse mundão em que vivemos, temos 3 tipos de pessoas:

1. As alossexuais: aquelas que sentem atração sexual por outras pessoas. Elas olham uma pessoa > acham essa pessoa atraente > ficariam com essa pessoa.

2. As demissexuais: aquelas que só sentem atração sexual por outras pessoas caso tenham algum tipo de ligação emocional / psicológica / intelectual.

Cenário a): Ela olha uma pessoa > não sente nada. Pode ficar com essa pessoa? Pode, mas não sentirá nada. Não será prazeroso pra ela. Algumas pessoas se esforçam e ficam mesmo assim. Mas a experiência pode ser tanto indiferente como incômoda. Sempre que me esforcei me senti um pedaço de carne no açougue.

Leia Mais: A relação sexual não existe

Cenário b): Ela olha uma pessoa > ela conhece essa pessoa > elas conversam > elas criam uma ligação (afeto) > essa pessoa passa a ser atraente para o demissexual.

3. As assexuais: aquelas que não sentem atração sexual at all! Elas podem se apaixonar, mas jamais sentirão atração por alguém.

O “problema” é que vivemos em um mundo alossexual, que espera que você também seja.

— Mas, espera, nem se o cara for muito, mas muito gato você sente atração? Tipo, se o cara mais gato do mundo estivesse aqui, agora, você não ficaria com ele?

Então, não se trata da beleza da pessoa. Abrindo um parêntese aqui: nós achamos pessoas bonitas, achamos certos tipos de corpos bonitos e tudo mais. Mas tipo, só. É bonito, mas se eu simplesmente não sei quem é o cidadão, eu não sinto nada. É bonito, ponto.

Pode acontecer de eu achar que o cara é o cara da minha vida. Vai rolar assim de cara? Nop. Lindo, inteligente, gente boa. Mas, calma, essa boquinha aí também foi feita pra falar, então, fala!

Como eu ia dizendo, não é a beleza que determina. Você pode colocar o Sebastian Stan pelado na minha frente.

Se você não conhece, este é o Seb:

Mas, então, nem ele?

— Oi, Sebastian, aceita um vinho? Não tenho cerveja, é que eu não curto muito, sabe? Então, tá em Paris de passagem? Cê acredita em astrologia? Qual foi o sonho mais doido que você já teve? Qual seu sabor de sorvete favorito?

Leia Mais: Transgênero: um matiz da sexualidade humana

E o Sebastian pode entrar no jogo. Jogar conversa fora. Me falar da vida dele. Me contar daquela vizinha sem noção. Da maior merda que ele fez na vida. Dar risada. E então ele pode se tornar um cara atraente, mas por aquilo que ele é.

Sabe, eu nunca fiquei com aquele cara.

— Que cara?

— Aquele do show do Strokes. Não sei o nome dele. Ele tava com uma blusa do Joy Division. Gatinho.

Mas, não, não aconteceu. Mas, sabe com quem aconteceu?

Com aquele cara que sei o nome e sobrenome. Aquele cara que eu sei que sua cor favorita é verde, sua fruta favorita é melancia, que ele caiu e quebrou os dois braços ao mesmo tempo quando tinha 7 anos, que ele foi um filho planejado, mas sempre acharam que ele era uma menina.

Aquele que sei que mora na rua da faculdade, que gosta de Beatles e seu álbum favorito é Sgt. Pepper’s, mas que ele só começou a gostar depois de velho. Aquele que conhece Wallflowers, porque a gente falou sobre isso em uma dessas caminhadas sem destino pela cidade. Ou será que foi naquela vez que fomos tomar uma cerveja? Aah, já sei! Foi naquele dia que fomos no pub modinha do centro. Falando nisso, foi bem engraçado, tava rolando a maior DR na mesa do lado.

Entende?

Ele me atrai. E não me atrai por saber se ele estará aqui amanhã ou não. Se ficamos uma noite ou se ficaremos uma vida inteira. Me atrai saber que enquanto esteve aqui, estava comigo não pelo fato de eu ser mulher, mas pelo fato de eu ser eu. Lidia. 25 anos. Nascida e crescida em Santo André. Cor favorita: roxo. Gosta de cozinhar. Adora animais, mas tem nojo de pombos. Fala palavrão pra caralho. Se deu muito mal quando tentou andar de patins e bicicleta ao mesmo tempo. Adora luzes de Natal. Gosta do céu. Queria ser pilota de Fórmula 1, mas desistiu porque não tinha dinheiro. Descobriu depois de velha que o anarriê da festa junina era uma palavra em francês. Odeia conversas de elevador e fazer média com as pessoas. Pediu demissão do chefe. Trabalha 24h por dia se deixar. Que, não parece, mas além de demissexual é tímida. E que, mesmo te achando bonito e gente boa, não vai ficar com você por ficar. Que pode demorar um mês pra criar um laço contigo, ou apenas algumas horas.

É difícil ser assim?

É sim. Ainda mais nessa sociedade moderna que parece que disputa quem se interessa menos. Ainda mais quando você se interessa por pessoas extremamente alossexuais. Você não pode chegar falando: “oi, sou demi, não encosta muito em mim não, tudo bem?”. Você gostaria de corresponder, mas simplesmente não consegue porque não faz sentido pra você. Então elas pensam que você não está a fim e tchau oportunidade de conhecer alguém legal.

Eu sempre ficava com uma sensação meio bosta de “olha eu estragando tudo de novo”. Mas com o tempo você se aceita. Isso é o que você é, se o outro não entende talvez ele não queira entender. Talvez ele estivesse ali pela mulher e não pela Lidia (acontece muito, quase sempre… acho que sempre).

E também porque a gente SEMPRE quebra a cara. Demis precisam do “apego” pra se envolver, então não importa a intensidade da ligação, pra se quebrar a cara basta que ela exista e, pra nós, ela sempre existe.

Então, sabe, a gente já é obrigado a lidar com tantas coisas. Tantos sentimentos e pensamentos conflituosos. Poupe-nos de seus “mas”. Entenda que neste mundo existem pessoas diferentes de você, pessoas que acham o colega do escritório mais atraente do que o Stephen Amell e isso não faz delas melhores ou piores que ninguém.

Um beijo pra vocês. ❤

(Autora: Lidia Amendola)

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  • Desculpe minha ignorância e sem nenhuma pretensão gostaria de perguntar:
    Este é um texto para quem é fã de psicanálise?
    Nada contra a autora.
    Somente a página.
    Atenciosamente,
    Renata.

    • Eu diria que "fãs de psicanálise" são desde psicólogos, até curiosos ou entusiastas sobre a filosofia/tema. O texto foi escrito de um interlocutor para outro, mas acho que pode ser aproveitado por todos. Mesmo que não esteja diretamente ligado à psicanálise (ainda que talvez possa ser um objeto de estudo dela), serve, no minimo, para elucidar um conceito consideravelmente novo que, inclusive, acredito que muitos psicólogos desconheçam. Por exemplo, me formei recentemente, e não me lembro de ter ouvido sobre "demissexuais" uma única vez durante toda minha graduação em psicologia.
      Visibiilidade, conscientização e empatia nunca são demais, quando se trata de algo do tipo.

    • Sim! Pq ela descreveu o que ela sente e atravez disso podemos analisar que nem todos que estão em certos ambientes procuram a mesma coisa. Ela citou partes que estão relacionados a minha perspectiva de ver as coisas, talvez nao da sua.

  • Amei este texto, nunca me senti tão representada, e pela primeira vez entendi porque não consigo me envolver tanto com as pessoas ou me interessar tão facilmente como outros, mesmo sendo bonitas ou aparentemente interessantes, percebi que acho o Ian Somerhalder um homem lindo, mas ainda sim escolheria ficar com aquele cara que conheci á três anos atrás e é louco pela camisa do One Piece kkk

    • Não tem nem um mês que eu estava explicando pra minha namorada isso e ela me olhando com aquela cara de o.O
      Antes de namorarmos fomos só amigas por dois anos inteiros, sem nada. E ela me falando: Mas você nunca nem beijou ninguém que você não tivesse uma ligação de afeto? E eu: Não. E passei a vida toda me sentindo uma extraterrestre por isso.
      As pessoas acham que você escolhe ser assim, mas você simplesmente é. E o mundo todo é diferente, mas a melhor coisa da vida é conhecer alguém que se sente exatamente como você, te dá a sensação de que você não nasceu no planeta errado. ?

  • Achei sensacional sua postagem, Lídia.
    Bem pedagógica mesmo. Conseguiu posicionar os diferentes tipos de pessoas e definir bem o que é o demissexual. E à medida em que ia lendo, me envolvendo de fato, fazia cada vez mais sentido o que dizia.
    Acredito que esteja no mesmo barco. Você esclareceu muito e abriu novas perspectivas para minha reflexão.

    Gratidão pelo texto.

  • Obrigada por esse texto. Não conhecia o termo e me sinto acolhida e compreendida. Agora terei argumentos para expor a forma que penso e sem me sentir mal por não me encaixar num padrão determinado pela sociedade. Envio luz a você mocinha! :) gratidão!

  • Obrigado por compartilhar a sua história. Como um demissexual, demorei anos sem saber o que era e esta parte da minha vida sempre me causou insegurança e por várias vezes acabei me forçando a ficar com alguém só para me sentir péssimo durante e depois. Descobrir que não sou "enjoadinho; exigente demais; sem atitude; inseguro da minha sexualidade; fraco; não ser homem de verdade; tonto", e apenas diferente, tirou um nó da minha garganta.
    Ler sobre a experiência de outros demissexuais me tranquiliza ao saber que não estou sozinho neste barco pelo menos.

  • Apesar de não ter sido o objetivo explicar o que significa ser bissexual, ficou muito claro no texto.
    Não conhecia o termo, não conhecia o conceito, mas conheço muito bem o que signigica.
    Um relacionamento pressupõe algo mais do que uma atração física. A atração física termina quando o corpo deteriora ou sofre alguma "perda", a atração que vai além do físico se estabelece entre os SERES envolvidos, com todo o seu conteúdo emocional e psicológico.
    Grato pelo texto.

  • Perfeito, era isso que precisava ler para ter certeza de que eu não sou uma pessoa estranha quando pensava e agia assim. Parabéns!

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