” Finzinho da tarde, no ônibus, dois bancos à frente, uma menininha de cabelos cacheados sorri pra mim, muito meiga. Devia ter uns três anos de idade. Ao lado dela, sua mãe cochilava. Quando ela percebia que a mãe fechava os olhos, ela se levantava no banco. Numa dessas, a mãe acordou. Deu um tapa na cabeça dela, falou num grito: “Fica quieta aí e senta!”. Ela chorou um pouquinho, lágrimas escorreram. Meu coração apertou. Tive vontade de fazer algo, mas achei que era muita invasão da vida alheia e fiquei quieta. Dali a algum tempo, a mesma cena: a mãe dorme, a menina, entediada com o trânsito parado, aproveita pra levantar do banco um pouquinho, buscando as vozes de umas crianças que estavam na parte de trás do ônibus. A mãe dessa vez a pegou pelos cabelos com força, deu um puxão que fez a menina cair pra trás, e, como se não bastasse, um “croque” na cabeça. Ao mesmo tempo, a voz dela saiu forte, com raiva. “FICA QUIETA AÍ, JÁ NÃO MANDEI!?”. A menina chorou forte. Enquanto chorava, as lágrimas escorriam e ela fazia um olhar muito, muito triste. Magoada, mesmo. Levantei na hora que a mãe falava “CALA A BOCA, SE VOCÊ NÃO PARAR DE CHORAR VAI APANHAR DE NOVO. QUE MENINA FEIA!”. Quando eu vi já estava ao lado das duas. Abaixei e falei com a menina, que chorava muito. “Não chora não, tá? A mamãe só está cansada, ela quer dormir um pouco e descansar”. Olhei pra mãe, que pareceu envergonhada por eu estar interferindo, falou comigo com voz normal: “Ela fica levantando, tenho medo dela cair e se machucar”.

Respondi: “Eu sei, mas ela só estava olhando as crianças lá atrás.”. Ela se dirigiu à menina, com a voz menos irritada. “Tá, agora pára de chorar, vai, já passou”. A menina soluçava, chorava alto. Eu falei com a mãe “Você tá cansada, né? Dá pra ver. Mas sabe, acho que ela só está meio cansada também, igual você”. O olho da mãe encheu de água. “Acordei muito cedo hoje, trabalhei o dia inteiro, to morrendo de dor de cabeça, e agora ela não para quieta”… A menina berrava, lágrimas escorrendo… “Eu imagino…. Tem dias que é complicado mesmo… Mas eu acho que ela só está querendo a sua atenção”, arrisquei. Pra minha surpresa, a mãe pegou a menina no colo e ofereceu o peito pra ela na mesma hora “Quer mamar, filha?”. Apesar do meu histórico de Mamífera, que amamentei até os 4 anos e pouco do meu filhote, me surpreendi pois não é comum ver crianças assim maiorzinhas mamando em público. A menina começou a mamar no peito e parou de chorar na hora. Enquanto mamava fazia carinho no rosto e no cabelo da mãe que, claro, desabou chorando. Apertou os olhos, agora as lágrimas escorriam no rosto dela, que depois começou falar meio baixinho. “Desculpa, filha, desculpa a mamãe, filha, desculpa”, ela falava, enquanto fazia carinho na cabeça da menina, bem no lugar onde ela tinha batido, e dava vários beijos na pequena, que mamava e olhava pra ela. Em uns 5 minutos a menina tinha dormido no peito, mas a mãe não parava de fazer carinho e beijá-la. Quase perdi meu ponto, na hora de levantar ainda olhei pras duas e a mãe me falou baixinho: “Obrigada…” Nem precisa falar que eu comecei a chorar também, e to chorando até agora, né? Tem horas que só o que uma mãe cansada precisa é chorar um pouquinho também.”

(Autora: Aurea Gil)




A busca da homeostase através da psicanálise e suas respostas através do amor ao próximo.

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