Dizem que o amor é algo que tira a gente de órbita. Você não consegue pensar em mais nada quando está nesse estado de apaixonamento. Mas o apaixonamento é algo passageiro, pois aos poucos você vai vendo os defeitos da pessoa, e, mesmo que o amor não acabe, a sofreguidão diminui. O enluaramento da mente diminui.

Mas acontece que há um ano e três meses eu tenho experimentado um amor novo. Um amor de mãe. Me sinto boba desde o dia que ele nasceu. Mas o boba não é só no sentido de encantada, é no sentido de bocó mesmo. Isso não vai parecer nada amável, mas vamos lá. Há tempos estou devendo esta crônica para minhas amigas mães.

Tenho andado boba desde que Adriano entrou na minha vida porque eu posso passar tempo conversando com alguém que conheço sem sonhar em lembrar seu nome. Me sinto boba porque ando na rua com o óculos de sol sem uma das lentes e nem noto. Me sinto abobada porque coloco o chuchu pra cozinhar e penso: “não posso esquecer que coloquei isso pra cozinhar”, viro as costas e no segundo seguinte já esqueci e saí pra dar voltas de carrinho com o filho. Chego em casa e o cheiro de queimado está saindo pelo portão. Esqueço de abaixar o freio de mão quando pego o carro pra sair.

Mas eu não estou sozinha. Minhas amigas também estão fora de órbita. Uma delas, que já tem duas filhas, passa perfume à base de álcool para massagear a barriga da bebê achando que é óleo. Outra delas tira o esmalte das unhas com demaquilante ao invés de acetona. A mesma descasca o melão e joga fora os pedaços, ficando só com as cascas nas mãos. Uma outra ainda sai de casa e esquece celular, carteira, dinheiro. Uma quarta amiga vai ao supermercado e larga o troco e as compras pra trás. Mas nenhuma delas esquece o bebê.

Às vezes olho pro Adriano e pergunto se ele é real, se isso está mesmo acontecendo comigo, se eu sou mesmo mãe. Ele mudou toda a minha vida, pra melhor. Agora eu valorizo cada segundo do meu tempo. E parece que meu dia tem umas 30 horas. Minha casa vive uma zona, parece um cenário de guerra, e eu não estou nem aí. Quando ele ri eu me sinto plena. Não tenho vergonha de cantar Galinha Pintadinha a plenos pulmões quando ele começa a chorar em público.

Pareço mesmo boba né? É porque sou apaixonada por ele. E o estranho é que o amor só faz crescer, proporcionalmente ao estado de abestalhamento em que me encontro. Meio que já perdi a vergonha. Ser mãe tem sido mais um passe livre para ser bocó. E eu amo ser bocó.




Psicóloga clínica, psicanalista, membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano - Fórum do Campo Lacaniano de MS. Revisora de textos na Oficina do Texto. Especialista em Direitos Humanos pela UFGD e em Avessos Humanos pelo Ágora Instituto Lacaniano. Mestre em Psicologia pela UFMS. Despensadora da ciência e costuradora de palavras por opção. Autora dos livros Costurando Palavras: contos e crônicas (2012), Em defesa dos avessos humanos: crônicas psicanaliterárias (2014) e do romance Nau dos Amoucos (2017). Mãe do Adriano.

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