Você já conheceu um homem que traiu? Já conheceu uma mulher que foi traída? Todos nós, seja de ouvir falar, ver ou vivenciar, conhecemos um homem que traiu ou mulher que foi traída pelo menos uma vez na vida.

Existe uma imensa produção midiática que repudia e condena a infidelidade feminina. Enquanto, de outro lado, ameniza e justifica a infidelidade masculina. Portanto, já é fato que ambas têm pesos sociais distintos.

Contudo é comum as pessoas acharem que traição masculina é ‘normal’ e até ‘banal’, algo que devemos esperar de um homem — melhor dizendo: coisa de macho — e, dessa forma, não deve ser questionada nem reprovada. E quando alguém questiona, as pessoas dizem:

    • Você está julgando a moral da pessoa, não interfira nas escolhas pessoais dela, afinal, todos podem trair. Em relacionamentos pessoais ninguém mete a colher. Todo homem trai. Ela não segurou ele em casa e ele foi buscar na rua… O homem não consegue se conter, trair é natural e instintivo… etc

    A moral está intrinsecamente ligada aos valores. No Brasil, a benevolência é entendida como o principal valor defendido pelo nosso povo, pensando nesse e em outros valores repassados culturalmente é evidente a ligação com os conceitos religiosos católicos de perdão, resignação, abnegação e compaixão. Então, os valores e as morais que defendemos passam pelo filtro e pela influência religiosa presente na nossa cultura e sociedade, assim como nosso ideal de sexualidade foi moldado pela colonização e religião.

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    Entretanto, não dá para simplesmente se achar “descolado” por negar os valores socialmente embutidos na nossa criação, a partir do momento que a construção social do que é ser mulher difere e muito do que é ser homem. Então, SIM, todos podem trair. Mas a infidelidade masculina difere e muito da infidelidade feminina e carrega peso distinto numa sociedade patriarcal.

    Inclusive, o que se faz quando uma mulher é traída é atribuir a culpa a ela:

    • Você não o satisfaz sexualmente!
    • Você focou demais no seu trabalho.
    • Você não cuidou do seu corpo!
    • Affff, você não percebeu que ela estava dando em cima dele.

    E, claro, o clássico:

    • Você não se valoriza, né!

    No fim tudo, todo mundo parte da premissa machista de culpar mulheres por condutas masculinas. A última frase é uma das que mais me incomoda, as pessoas chegam a dizer: “Mas todo homem trai, sua bobinha”.

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    Como se a sociedade inteira não educasse homens para não cumprirem acordos que são feitos com mulheres, pois a sociedade educa homens para respeitar outros homens e não mulheres. Ao mesmo tempo que homens são tratados como incapazes de avaliar ou responder por seus próprios atos, saem ilesos de qualquer crítica ou reprovação mais dura e severa, afinal:

    • Aquela vagabunda deu em cima dele.
    • Olha, essa puta não se valoriza e se mete com homem casado.

    Mais uma vez todo mundo culpa a mulher, no caso, a entendida como “amante”, pelas atitudes de um homem. E porque não julgamos ou, melhor, blindamos homens? Por que eles são poupados?

    Qual o problema de um homem que ele não é capaz de discernir?

    Novelas e livros giram muito nessa narrativa da família rica ameaçada pela mulher interesseira que seduz o bom homem, pai íntegro e empresário. Como se homens fossem capazes de mover montanhas, mas impossibilitados de dizer:

    • Não, eu não quero me envolver com você.

    A minha intenção não é dizer que mulheres não podem ser desonestas ou criticadas, tendo em vista que somos pessoas e temos um comportamento humano. Entretanto, numa sociedade em que a construção de gêneros é distinta e constante na definição do comportamento e do lugar que ocupamos, cobramos de forma diferente e ficamos indignados de forma diferente.

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    E o que estou pedindo é: cobrem mais dos homens.

    Já que eles nem estão discutindo isso, estão ilesos, quietos, fingindo que não é sobre eles, enquanto nós mulheres criamos textos, teorias e livros. No fim entendemos e realmente carregamos a culpa por tudo, mesmo que na maioria das vezes não seja nossa culpa, num nível que nós estamos tentando incansavelmente corrigir esses “problemas”.

    Há estudos que apontam que mulheres pedem mais desculpas do que homens e não porque eles pedem de menos, nós que pedimos demais, afinal, achamos que estamos desrespeitando pessoas 24h. Em contrapartida, eles nunca julgam que estão fazendo algo que possa incomodar outros. Isso é privilégio. Não se sentir culpado pela construção machista da sociedade é um privilégio enorme, e ele não acaba quando você pega um cartaz com uma frase feminista num final de semana. É um processo muito mais intenso e doloroso repensar O QUE É SER HOMEM.

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    Então, TRAIR não é uma questão sexual e de alívio hormonal, nunca foi. TRAIR é uma questão de PODER! Homens mentem para ter mais de uma relação, porque se acredita que isso é seguir o modelo do que é ser homem. É uma construção social nociva de masculinidade, que só é debatida a partir do momento que questionamos o que é “ser mulher”. Ora, se ser mulher segundo os padrões de gênero impostos significa ser solícita, amável, atenciosa, carinhosa, se doar, colocar a família em primeiro lugar, ceder aos desejos do parceiro em detrimento dos seus, etc; “ser homem” significa o oposto disso dentro das imposições sociais que nos colocam.

    Não se surpreenda se muitos homens que são tidos como “másculos” na ficção e na vida real sigam esse modelo de ausência, abandono, descomprometimento com quem está a sua volta, frieza. O poder dos homens na sociedade patriarcal age mais forte quando eles performam o padrão de masculinidade tido como correto, que é veiculado e defendido por eles mesmos. Conclusão: HOMENS SÓ SÃO FIÉIS A OUTROS HOMENS. Numa sociedade em que homens se entendem e são vistos como os únicos sujeitos isso faz muito sentido.

    E o “correto” segundo a masculinidade deles é justamente o que nos faz infeliz e vítimas de vários níveis de relações abusivas mesmo que não tenhamos relações afetivas amorosas com esses homens. E não há solução rápida e instantânea para isso.

    Não há como simplesmente achar que vamos resolver essas questões de papéis de gênero onde um é sujeito e ao mesmo tempo nocivo em relação ao outro, mudando o modelo de relacionamentos afetivos. Homens traem até em relações não monogâmicas. A questão são os papéis de gênero que somos designados a seguir e como determinados comportamentos, mesmo que nocivos, são naturalizados. Tão naturalizados, introjetados e enraizados culturalmente que é complicado para muitas mulheres entenderem a traição como algo abusivo e agressivo a elas.

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    Todos somos humanos e podemos “errar” e “descumprir” o que combinamos com outras pessoas. A mulher que trai quebra o padrão de gênero que lhe foi designado não cumpre a ideia socialmente embutida. E isso não quer dizer que trair alguém seja um ato revolucionário, afinal, não se constrói relações saudáveis enganando os outros. Porém, não existe simetria na infidelidade masculina e na infidelidade feminina.

    A questão é que falar de traição é cada vez mais importante e necessário. O Brasil tem números alarmantes no que diz respeito a doenças sexualmente transmissíveis. Na década de 80 era um homem contaminado para cada 28 mulheres. Atualmente os números são de 2 mulheres para cada homem. O grupo mais atingido acaba sendo mulheres de origem pobre, negras e com relacionamentos estáveis: casadas! Muitas mulheres hoje convivem com HIV, pois foram contaminadas em sua maioria por parceiros infiéis.

    Quando movimentos feministas pautam a liberdade sexual, estão também pautando que para além da escolha e liberdade da mulher em relação ao seu corpo e desejos, existe também a responsabilidade e a preocupação com nossa saúde física e mental.

    Liberdade sexual nunca foi sobre transar com todo mundo, muito menos sobre homens ditando o que é liberdade sexual ou não. A questão é transar com quem queremos e de forma respeitosa e saudável dentro dos nossos limites, cuidar da nossa saúde física e mental e sentir prazer nas relações. Quando falamos de liberdade sexual estamos falando de RESPONSABILIDADES conosco e com o outro. Não existe a possibilidade de ser sexualmente livre se não usarmos camisinha com o(s) parceiro(s) mesmo que muitos desse(s) “parceiro(s)” se recusem e não aceitam usando desculpas.

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    Nunca entrei no mérito de debater se é sororidade ou não ficar com um homem que tem envolvimento afetivo. Até hoje só consigo sentir repulsa por homens enganando suas parceiras, e falo isso pois é assim que meu pai tratou todas as mulheres ao longo da sua vida. Entretanto a minha maior preocupação é com os dados que apontam a AIDS sempre mais comum entre mulheres:

    • Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as mulheres representam mais da metade das pessoas infectadas pelo vírus HIV no mundo inteiro.
    • De todas as mortes causadas pela aids no Brasil até 2012 28,4% ocorreram entre mulheres, de acordo com o Boletim Epidemiológico Aids HIV/Aids 2013.
    • O documento do Ministério da Saúde também aponta que a única faixa etária em que o número de casos de aids é maior entre as mulheres é de 13 a 19 anos.
    • No sexo feminino, 86,8% dos casos registrados em 2012 decorreram de relações heterossexuais com pessoas infectadas pelo HIV, segundo o boletim.

    E tem o retorno de outras doenças sexualmente transmissíveis, já se fala de uma super gonorreia e da sífilis no Brasil. O que me preocupa realmente é que vemos a traição como algo muito pessoal, quando, de fato, a traição é sistêmica, pois é parte de uma sociedade patriarcal em que a família e a propriedade privada são de interesses que um homem mantenha intactas, mas a fidelidade e o bem estar em relação a uma mulher NÃO. Já que para a manutenção de uma família, a fidelidade não é o fator primordial, mas sim a possibilidade de ter capital para sustenta-lá.

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    Mulheres são entendidas como seres inferiores que devem cumprir um papel que é dar filhos e prazer sexual. Não se entende mulheres como companheiras e parceiras, não se entende mulheres como seres que tem necessidades emocionais. Eu queria muito acreditar que estamos mudando isso, mas a discussão sobre masculinidade e, consequentemente, a forma como ela interfere na visão e na construção de relações com mulheres ainda é lenta e sempre esbarra na superficialidade de homens dizendo:

    • Também quero chorar.

    Eu quero que homens chorem, quero que homens não se sintam pressionados a ser viril, quero que homens demonstrem sentimentos. Mas o que quero mesmo é que homens parem de estuprar, mentir, enganar, agredir e ferir mulheres. E para isso vocês homens devem falar entre si, devem questionar o que é ser homem, e devem rever que tipo de reafirmação de masculinidade nociva estamos dando um ar florido e cirandeiro sem avançar nas pautas, pois de um lado tem meninas que dizem ser amantes, do outro mulheres que dizem nunca aceitar uma traição, em comum a maioria das mulheres tem baixa autoestima e só vivenciou relações extremamente abusivas. Então para nós mulheres eu realmente desejo que vocês sejam dedicadas a Si mesmas.

    (Autora: Stephanie Ribeiro)
    (Fonte: trendr.com.br)

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    7 COMENTÁRIOS

    1. Texto excelente, mostra a dura realidade das mulheres na sociedade machista em que vivemos, porém infelizmente esta realidade está muito, mas muito longe de mudar, principalmente porque ela esta enraizada na cabeça das próprias mulheres que reproduzem este comportamento na criação dos seus filhos homens.

    2. Texto de qualidade, porém com parcialidade. Como o amigo Leonardo disse, escrito por mulher!
      Já foi-se o tempo em que somente o gênero masculino praticava adultério, com o passar dos anos, com a “igualdade” entre os gêneros ( entre aspas, porque igualdade só quando é a algo favorável a ser reivindicado. Obs.: nunca ví uma feminista brigando por dividir as despesas mensais, só que meu marido não ajuda em casa, ele não olho o Jr. exemplificando) foi aumentando os casos onde mulheres também passavam a adulterar. não vou entrar em detalhes pra ficar na imparcialidade para que homens e mulheres leiam o meu comentário e possam pensar sem que sejam influenciados como e texto acima, extraindo o melhor do que foi escrito. Sabemos que hoje em dia, com essa facilidade de interação que as redes sociais, WhatsApp , qualquer coisa é motivo para iniciar uma conversa com um “amigo” ( aspas, porque sempre é este o argumento, ou que é sem intenção rsrs).
      *** Mateus 5:28 Eu, porém, vos digo, que qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, em seu coração, já cometeu adultério com ela. ***
      Escrito por um homem, que quer constituir família, desde-que encontre uma mulher honrada!
      Nobres, se não as encontrar , não saia casando com a primeira que vier, conheça ela por um bom período, adote a filosofia de observar, seja sereno. BOA NOITE!

    3. Gostei do texto. Eu traí minha ex após 10 anos de relacionamento e me arrependi profundamente. Toda a sociedade sempre me impôs que a traísse e me chamavam de tudo para denegrir minha imagem quando tinha a oportunidade e dava o fora. Após o começo da traição surge um sentimento de perigo e emoção que te cegam.
      Quando me arrependi e decidi contar foi tarde, uma semana antes avisei a um amigo que iria contar e ele me implorou que não contasse e ela, uma semana depois ela descobriu pela amante.
      Meu chão acabou, sofri e sofro demais por ter errado e ter deixado seguir pela sociedade machista e instintos masculinos. Terminamos e ela nunca mais quis olhar na minha cara. Hoje pago o preço caro por ter errado e não acreditar mais naquele amor que tudo supera. Não traiam, essa é minha dica. Pensem bem se querem perder a pessoa que ama por uma aventura qualquer.
      Minha vida perdeu o sentido.

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