Se você anda prestando atenção no mundo como eu tenho esse costume, já deve ter percebido o quanto as pessoas andam de cara fechada por aí. Eu entendo que existem muitos perigos e uma expressão pouco convidativa parece nos dar um pouco mais de segurança para atravessar as perigosas ruas dos grandes [e pequenos] centros urbanos.

O problema é que, ao andarmos tanto tempo com essa face de poucos amigos, ficamos habituados a repeti-la na maior parte do tempo. Tente fazer um esforço e lembrar, uma média, quanto tempo vocês passam sorrindo ou com uma expressão leve ou despreocupada… e quanto tempo passam de cara amarrada afastando possíveis incômodos. Com raras exceções, a maior parte vai se perceber uma boa parte de seu tempo passando um sinal de “não me incomode”, “não se aproxime”, “não olhe para mim ou não faça qualquer menção para me cumprimentar”.

A partir disso, me recordo de uma poesia do Brecht que desde jovenzinho eu gosto muito. “Em minha parede há uma escultura de madeira japonesa / Máscara de um demônio mau, coberta de esmalte dourado. / Compreensivo observo / As veias dilatadas da fronte, indicando / Como é cansativo ser mau.”

Como é cansativo e, principalmente, como é solitário ser mau.

Eu sempre escuto a queixa, vindo de homens e mulheres, que é muito difícil aceitar a solidão. No inicio eu concordava, com o tempo comecei a me questionar que solidão é essa, tão radical, da qual reclamamos. Acabei descobrindo que essa tal solidão é exclusivamente a solidão do amor romântico.

O fato de não estar beijando na boca, deitando de conchinha, passando a mão em uma bunda na hora de acordar… claro que isso tudo é bom, não me entendam mal, o ponto é que estamos exagerando isso tudo. Talvez estejamos viciados nesses ideais de amor romântico e precisamos passar por uma desintoxicação.

O fato é que parecemos estar em um círculo fechado: hipervalorizamos os relacionamentos românticos e, por isso, não nos dedicamos a outras formas de se relacionar. Sem essa possibilidade termos outras formas, apostamos, mais uma vez no amor romântico e nos fechamos mais e… Não deixa de ser verdade a ideia comum de que, quando estamos solteiros, somos bem mais simpáticos [o que, em alguns casos, deixa uma nítida impressão de hipocrisia ou de que a pessoa em questão é interesseira]. Isso lembra a mesma simpatia que notamos nos cachorros de rua que na falta de uma segurança, têm que estabelecer contato com quem passa por eles.

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O intuito de tudo isso é, justamente, o que parece de inicio, fazer atentar para nosso comportamento social e propor que sejamos um pouco mais simpáticos. A coisa da careta com a qual andamos nas ruas… Acabei percebendo, por experiência própria e de muitos de meus clientes, que nos dias que andamos com um meio sorriso [sincero], a postura um pouco mais aberta e predisposta a dar ou receber “bons dias”, “boas tardes”, “olás”… Enfim, para interagir, mesmo que por um segundo com as pessoas que cruzam o nosso caminho, o dia parece menos vazio.

Isso acaba valendo como um disparador e muitas outras ideias de interação podem surgir. Pensem, por exemplo, como é muito mais agradável quando trocamos algum tipo de palavra gentil com o caixa do supermercado ou com o pessoal do mercadinho. Mesmo nos meios virtuais… eu sei que vocês ficam muito mais animados quando recebem um comentário e travam uma conversa [respeitosa, ok?] sobre algum tema no Facebook do que quando recebem apenas uma curtida.

Costumo dizer que minha função como psicoterapeuta é não facilitar a vida de ninguém, mas sim a de dificultar. Isso tem um motivo, para conquistar os melhores resultados, precisamos quebrar alguns padrões preguiçosos. Nossa tentativa de viver uma vida feliz enfurnados em um relacionamento fechado é um desses padrões.




Marcelo Marchiori é psicólogo clínico, especialista em interpretação de sonhos e imaginação ativa. Escreve [quase] diariamente sobre psicologia, comportamento e sociedade. Pode ser seguido por seu perfil no Facebook. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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