Provavelmente, querido(a) leitor(a), você que lê esse texto, se vê como adulto, ou, pelo menos, adolescente. Muito natural. Temos responsabilidades. Família para criar, trabalhos para entregar, matérias a estudar, tarefas a cumprir. A diversão e a criatividade ficam para quando eu tiver tempo, e mesmo assim, para fins terapêuticos, afinal, estou sempre muito estressado. Mas aqui defendo a tese de que essa criança ainda existe. Nunca deixou de existir. Onde ela está?

Quando éramos crianças, podíamos mais livremente brincar, rir, chorar. E mesmo que a criação tenha sido um pouco mais rígida, a expressão das emoções e brincadeiras sempre era algo mais compreensível do que seria se fosse hoje, com o tamanho e a idade presentes. Afinal, eram “coisas de criança”. Mas o tempo passou. Vieram frustrações, exigências e a tal da responsabilidade.

Frustrei-me, pois achava que eu sempre poderia ser quem eu era e o outro ser quem ele era. Mas percebi que nem sempre posso contar com o outro, que o outro é capaz de me manipular para conseguir o que quer. Decepcionado, aprendi a fazer isso também.

Assim, para corroborar com essa decepção, vieram as exigências. Eu preciso dar “bom dia”, mesmo sem estar alegre, por educação. Aliás, sem dar “bom dia”, posso não conseguir a atenção do outro e conseguir o que preciso. Preciso conversar com pessoas que não gosto para ser bem visto pelos outros. É de bom tom convidar pessoas com quem não me afinizo para minhas comemorações a fim de ser bem visto entre os amigos que me rodeiam.

Leia Mais: O que Freud disse sobre Hitler quando ele era uma criança?

Juntamente com esse extenso manual de “Como Devo Agir Para Ser Aceito”, aparecem as responsabilidades naturais de quem precisa de autonomia. Preciso estudar, preciso trabalhar para me sustentar, preciso de um mestrado, preciso colaborar com meu lar… A gama de responsabilidades materiais possíveis pode tender ao infinito.

Cadê a criança que eu fui? Onde está a minha capacidade de ser espontâneo com atitudes “fofas” e pirracentas? Desapareceu em mim a capacidade de chorar? De rir de piadas inocentes? De me permitir brincar com a vida e explorar o mundo?

Aprendemos todos a ser adultos. Em nenhum momento falei ou pensei que isso é um problema em nossas vidas. Tudo muda, e isso é natural. A vida é composta de códigos sociais, e muitas vezes precisamos nos utilizar deles. Entretanto, essa nova fase da existência acaba muitas vezes por abafar o que há de mais vivo e criativo em cada um de nós.

Deixamos de confiar, de nos arriscar, de nos mostrar. Dessa forma, muitos depois precisam buscar uma psicoterapia para reencontrar essa criança que teima em querer aparecer. Seja em um simples desejo de conhecer algo novo, ou a pura necessidade de chorar por algo que se pode julgar ridículo. Deixo de estar em contato com a criança que fui (e sou) no momento em que ignoro a mim mesmo, armado dos mais diversos julgamentos e conceitos castradores…

No momento em que percebo a criança que sou, reaprendo a brincar. Arrisco-me em confiar. Confio no meu arriscar. E invento e reinvento novas formas de buscar ser feliz, sem paralisar diante dos problemas que se apresentam para mim.

Assim, a criança que você foi (e é) segue te chamando, gritalhona e irritada ou doce e meiga, nos mais diversos detalhes da sua vida. Ela precisa de você. Cuide bem dela.




Psicólogo, reside no Rio de Janeiro e é colunista do site Fãs da Psicanálise.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui