A cada mês de setembro somos lembrados da cor da atenção, o amarelo. A cada ano temos visto a preocupação e a vontade de ajudar pessoas que estão em desespero, mas também vemos que a cada ano se repetem as tristes estatísticas do suicídio. Todos concordam que é preciso ouvir estas pessoas para que se sintam aliviadas de suas dores, tensões e descaminhos.

Sim, quem não conhece os benefícios de um desabafo?

O alívio que proporciona é sabido por todos que um dia sentiram-se sufocados por sentimentos não identificados, não reconhecidos por si e pelos outros e rotulados como ruins, negativos, indevidos. Mas será que sabemos e estamos preparados para ouvir?

Ou sabemos apenas falar o que nós achamos do que a pessoa está dizendo para, logo em seguida, lhes dizer como se sentir, sinal de desrespeito, ainda que movido pela melhor das intenções, que é a de ver a pessoa bem?

Muitos de nós não recebemos educação emocional que nos ajude a identificar e lidar com o que sentimos. Identificar e nomear sentimentos ainda é um grande desafio.

Já é de senso comum a frase que diz que o homem explora o cosmos, já foi à lua, mas ainda desconhece seu mundo interior, os meandros de sua subjetividade.

Ainda somos desconhecidos de nós mesmos, estranhamos nossas manifestações somáticas, como doenças que foram se constituindo por acúmulo de sentimentos não identificados, não ditos, não reconhecidos e não elaborados. Estes, longe de desaparecerem nas profundezas de nosso ser, vão formando desconfortos, dores, nódulos e só então passam a ser percebidos. Quando chega neste ponto, não há mais como ignorar e, mesmo assim, continuam ignorados.

Agora é o corpo que sente e comunica em forma física emoções e sentimentos não trabalhadas que são equivocadamente lançados para o “esquecimento”. Vamos pensar em coisas boas! Não é bom ficar lembrando tristezas, revivendo amarguras! Vá se distrair! Mas elas precisam de atenção e cuidados, pois contam de nós e do que se passa em nosso íntimo e necessitam ser elaborados para, só então, serem esquecidas.

Estes comunicados de nosso mundo interno são fundamento de nosso autoconhecimento. Conhece-te a ti mesmo é um adágio ao qual não damos o devido valor, mesmo sendo a chave para o crescimento pessoal, para a saúde como um todo, para a solidariedade e a empatia. Enfim, para o crescimento pessoal e social.

Diferente de cultuar dores e sofrimentos, é preciso identificar e respeitar aquilo que diz nossa alma, nossos sentimentos. Imaginem uma pessoa que esteja em momento de grande alegria e a ela não seja permitido expressar esta alegria. Isto nem se pensa, mas quando é o contrário, quando há tristeza ou raiva, é usual que se queira desviá-la do contato com eles. Será que esta tentativa de desvio é para seu bem ou para o nosso, que nos desconfortamos e não sabemos o que fazer com o que ela está passando ou dizendo?

Queremos ver o outro bem, mas desconhecemos que para isso é necessário justamente que ela fale, que desabafe. Nem sempre ela está pedindo que solucionemos seu problema, mas é comum pensarmos que temos que dar respostas ao desabafo.

E é isto que nos assusta: o que vou fazer? O que vou dizer para ela? Nada. Ela está falando e fala pede escuta. Ao ser escutada sem que nela projetemos nosso não saber o que fazer, a pessoa se sente acolhida e com espaço para seu eu atormentado, para a expressão de seus sentimentos. Não confundir fala com pedido de ajuda. A escuta já é a ajuda. Caso ela peça solução, consultemo-nos: temos como solucionar? Obviamente se pudermos, solucionaremos, mas em nada ajuda partir do pressuposto de que se a pessoa está nos falando, está necessariamente pedindo solução. Ela quer ser ouvida, desabafar e isto, por si só, já é o necessário, na maioria das vezes.

Carl Rogers, psicólogo humanista que concebeu a Abordagem Centrada na Pessoa, diz que algo que muito o emociona é o que vê nos olhos de alguém que realmente é ouvido. Eles lacrimejam, se iluminam, pois luz é lançada em seu eu e em quem ela é e não em quem deveria ou poderia ser. Ela sente-se considerada positivamente em seu momento atual e não em sua forma perfeita de ser, caso isto exista. Lacrimeja de emoção por ter sido escutada, respeitada naquilo que tem a dizer e não no que o interlocutor espera que ela diga, sinta ou seja. Você já foi escutado, ouvido? Pode descrever como se sentiu?

Sobre prevenção ao suicídio, quando ela começa? Talvez seja necessário pensarmos nisso bem antes de que o desespero se imponha. A prevenção pode ser feita desde sempre e todos os dias em nossas relações. A começar pela descoberta do encanto de ouvir uma criança.

Não apenas quando elas choram ou pedem coisas que a televisão e a internet a induzem a pedir. Isto já é feito amplamente. Não é desta escuta que falo. Falo da escuta de seu ser em formação, de sua fala espontânea que vem de seu modo peculiar de ver a vida, de sua lógica desconcertante e que, justamente por ser desconcertante e original, achamos sem importância ou engraçado. Volto a Rogers que afirma que quando uma pessoa é vista e ouvida genuinamente, tenha a idade que tiver, ela também se vê e se sente como pessoa e isto pode fazer toda diferença em sua vida presente e futura.

Mas o que é ver o outro como pessoa? É descobri-lo e percebe-lo em sua originalidade, em seu jeito único de ser, sem nele colocarmos o que pensamos ou achamos que deve ser, pensar, sentir e agir… trata-se de perceber a pessoa, de ouvi-la, para além do que ela está dizendo, do que está nos contando.

Trata-se de ouvir o seu ser, a pessoa que ela é, mais do que a história que ela está nos contando. Esta dimensão do ouvir é enriquecedora por si só e para todos, mas quando se trata de ouvir uma criança, estamos ensinando-a sobre ser alguém. Ela não vai ser alguém depois de estudar, se formar e ter uma profissão. Ela já é alguém agora e quanto mais tivermos isso em mente, mas contribuiremos para sua auto percepção como sujeito, com voz e lugar em seu meio, em sua família.

Quando paramos para olhar para ela e ouvir o que está dizendo, estamos ensinando-a a ser e ensinando-a a se ver como sujeito, aquele que tem subjetividade, ou seja, seu mundo interno único e ilimitado. Assim, ela encontra seu lugar consigo, nas relações e no mundo e, dificilmente, mas muito dificilmente ela pensará em suicídio mais tarde. Mesmo que os pais e próximos façam tudo o que está a seu alcance, os suicidas fantasiam um lugar melhor para si e isto se dá porque não encontraram o seu lugar aqui entre nós.

Quando consideramos uma criança como sujeito único e não como um saco de necessidades imediatas a serem prontamente satisfeitas, pois do contrário se frustra, ela encontra seu lugar aqui e agora e a cada aqui e agora ela vai se constituindo humana e criativa, sem espaço para a forma destrutiva de se ver e de ver o mundo. Não se trata de supervalorizar as falas e outras formas de comunicação das crianças, mas de saber ver e ouvir quem ela é e o que diz naquele momento único, que nunca mais se repetirá.

Até mesmo, ou principalmente, momentos e situações frustrantes vivenciados pelas crianças como algo ruim, mas que, justamente por ter sido ruim, mobilizam recursos internos para a busca de outras formas de lidar com a situação quando e se acontecer novamente.

Jean Piaget (1896-1980), um dos mais importantes pesquisadores de Educação e Pedagogia ensinou isto: foi olhando para os erros que as crianças faziam em suas tentativas de aprendizagem e sua forma de buscar outras possibilidades, quando percebiam que o resultado não tinha sido atingido, que elas exploravam alternativas e descobriam o caminho a seguir, fortalecendo seus recursos pessoais e tornando-se auto confiantes.

Quando adultos apressados querem ajudá-las e fazem atalhos e colocam sua experiência na solução de problemas, impedem que a criança descubra e se fortaleça para aprender e para viver. Havendo necessidade de ajuda, elas pedem. Aí entra o adulto com sua função orientadora reconhecendo o que ela já conseguiu e estimulando-a a dar continuidade para que haja a assimilação, desde as aprendizagens mais básicas até as mais complexas que vão fazendo o ser humano que ela é crescer e se fortalecer.

Estamos no mês de setembro, o da prevenção ao suicídio e logo entraremos em outubro, mês em que se comemora o Dia das Crianças. Que tal lhes dar de presente atenção, em forma de olhar e de escuta para descobrirmos quem é este ser único e original com quem convivemos, mas que nem sempre conhecemos? Não só no dia 12, mas sempre que possível.

Sem cerimônias e formalismos, como sentar e chamar a criança para uma conversa, o que pode parecer forçado e tornar a intenção inútil, mas apenas ouvindo-a com empatia, com interesse, como gostaríamos de ser ouvidos e considerados, quando ela se manifestar em seu encanto de descobrir o mundo que pode ser das maneiras mais inusitadas a cada único e especial momento que não volta mais.

A vida é hoje…

Boas descobertas!

Por: Maris Stela da Luz Stelmachuk
Psicóloga – CRP 08 0874 e 12 0882
Membro da Academia de Letras do Vale do Iguaçu (ALVI)




A busca da homeostase através da psicanálise e suas respostas através do amor ao próximo.

1 COMENTÁRIO

  1. É uma colocação muito importante para se ter o entendimento o quanto é urgente atenção no ser que está próximo a nós que precisa alguém que o ousa .
    Dar oportunidade incentivo para as crianças nesse momento em que a ansiedade tomá conta do ser humano .
    Começemos por nós mesmo a busca dos verdadeiros valores do SER e não somente do ter .

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