Na Mitologia, encontram-se os famosos mitos de criação.

Neles vemos narrada a criação do mundo e da humanidade. Um dos aspectos principais quando um mundo novo vai ser criado, é sempre necessário um sacrifício. Alguém morre, ou um deus, ou gigante, ou uma criatura humanoide.

A vítima sacrificial representa uma condição anterior que deve morrer para que um novo mundo, ou uma nova condição consciente, nasça.

Cada passo adiante, visando à construção de mais consciência, destrói o equilíbrio vivo em vigor até o momento presente.

Nesse instante entra uma questão bastante delicada: o quão difícil e doloroso é para o ego se separar de uma situação anterior, mesmo que essa não nos sirva mais.

É aí que entram nossos mecanismos de defesa, que causam autossabotagem em nós mesmos.

O ego humano possui uma característica que é se apegar ao que é conhecido. É como se a situação nova fosse uma morte para ele.

Temos a tendência de não abrir mão de crenças, ideias e emoções, pois sem elas é como se o ego não existisse.

Leia mais: As defesas do ego

Por isso a Psicologia Analítica propõe o processo de individuação, onde o ego deixa de ser o centro da psique (pelo menos é o que o ego acha), para se relacionar com um centro transcendente e que abarca a totalidade do inconsciente e consciente, que Jung denominou Self.

Nesse processo o ego precisa abrir mão do controle e deixar que algo maior que ele o direcione, e assim aprender com esse processo, dialogar com ele também.

De certa forma, o ego está certo ao pressentir uma morte. Aspectos que não estão em harmonia com a totalidade psíquica precisam morrer. Para ser mais exata, o que morre é a identificação do ego com conceitos e ideias que não lhe são mais saudáveis para seu desenvolvimento psíquico.

Durante o processo de análise, é comum o terapeuta cair na tentação de tentar nomear o conflito, como por exemplo: “complexo de édipo”, “complexo materno”, possessão pela anima”, etc.

Leia mais: Entenda a autossabotagem

O próprio analisando que conhece a teoria também pode sucumbir a isso.

Conhecer a teoria não é errado, porém, nomear a neurose pode ser um grande perigo, porque ela ganha um significado tremendo. Às vezes, isso pode reforçar um mecanismo de defesa – principalmente nos tipos mais racionais – e fazer com que o analisando se apegue aquilo e se identifique, não conseguindo abrir mão do controle de “saber as coisas”.

Não que o terapeuta não deva conhecer a teoria, mas é como Jung mesmo disse devemos conhecer todas as teorias, dominar todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, ser apenas outra alma humana.

Para finalizar, o que é de extrema importância saber sobre isso, é que nenhuma vida nova pode surgir sem que ocorra um declínio e o sacrifício da que havia anteriormente.

Leia mais: O processo de individuação

Por essa razão é importante atentarmos ao medo que esse processo causa, mas também lembrarmos que o medo é um importante regulador, mas que não pode nos paralisar no fluxo contínuo da vida.

O processo de individuação traz consigo o aprendizado do morte e vida. A vida é composta de construção e destruição, e nesse fluxo, construímos e destruímos nossas autoimagens o tempo todo, para que tenhamos novos aprendizados e novas experiências de vida, alargando nosso horizonte e perspectiva de vida.




Hellen Reis Mourão é analista Junguiana e especialista em Mitologia e Contos de Fadas. Atua como psicoterapeuta, professora e palestrante de Psicologia Analítica em SP e RJ. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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