“Querido leitor, me sinto extremamente grato por poder compartilhar o que vivi nesses últimos meses em minha vida.

A nossa existência é tal como uma planta frágil em um campo aberto.

Passam-se dias e dias em que nada além de uma brisa suave empurra a jovem plantinha, mas basta um dia de chuva e vento forte para suas folhas e bases ficarem comprometidas.

Hoje estou superando uma grande tormenta. Contarei minha história para vocês.

Desde o fim de minha graduação, minha vida passou por um despenhadeiro sem fim.

O desemprego com o qual me deparei, juntamente com uma dificuldade minha em me empenhar em novos projetos fez com que eu mergulhasse em um mar de tristeza.

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Os poucos amigos que eu tinha estavam encaminhados profissional e afetivamente, e eu permanecia desempregado, solteiro, me sentindo só.

Evidente, poderão dizer alguns, que essa situação acontece com muitas pessoas. Entretanto minha forma de encará-la me fez mergulhar em um lamaçal de dor imensa.

Não cheguei a ir a um psiquiatra, mas provavelmente estava vivendo um episódio grave de depressão. Fiquei praticamente quatro meses sem sair de casa, por não querer. Saí umas duas vezes, mas só porque minha família me levou de carro para duas sociais de família.

Fiquei um mês aproximadamente só deitado na cama, intercalando silêncio e crises de choro mudas (pois não queria preocupar ainda mais as pessoas lá de casa).

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Foi quando pensei no pior. Queria me suicidar. E não era só da boca para fora – mesmo porque poucas vezes mencionei isso – mas queria de fato dar um fim a isso tudo!

Deixar de ter de me preocupar em saber para qual direção seguir profissionalmente. Deixar de me sentir só! Deixar de me sentir carente e não realizado. Deixar de correr risco de sofrer mais e mais. Deixar de me sentir culpado por estar extremamente mal.

Livrar-me de tudo isso! Essa era a minha vontade. Pesquisei na internet formas de me suicidar. Nunca me senti tão mal ao fazer uma pesquisa, mas via isso como sendo necessário. Resolver um problema. Esse o meu desejo. E de uma vez por todas. Nada iria melhorar mesmo…

No dia em que, sozinho em casa, havia me decidido por ingerir determinadas medicações no intuito de me suicidar, olhei para o porta-retratos que ficava na estante da minha sala. Era uma foto da minha família, de 15 anos atrás. Estavam meus pais, minha irmã, e eu, fazendo uma careta, demonstrando alegria e peraltice.

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Parei para lembrar um pouco daquela época. Como era bom ser criança! Não só porque não tinha muitas responsabilidades, mas…

Eu tinha mais facilidade para me alegrar. Sim, tinha momentos de choros e dores infantis, porém era tão fácil superar tudo com uma simples entrada no mundo da imaginação ou em algum jogo ou brincadeira. Que capacidade seria essa?

Criança, por incrível que pareça, tem mais sede de viver do que muito adulto. Desejo de conhecer, de tentar, de inventar. Tem muitos medos bobos, é verdade, mas nenhum medo impede uma criança de se estabacar no chão durante um divertido pique-pega.

Achei esse pensamento tão inspirador que esqueci por um momento meu projeto suicida. Decidi esperar um pouco, não entendi muito bem porque, mas preferi esperar. E que bom que esperei…

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Sabe os meus poucos amigos de graduação, aqueles que estavam bem sucedidos profissional e afetivamente? Um deles me falou que havia me indicado na instituição em que estava trabalhando e que provavelmente eu seria chamado, devido ao estágio que fiz na faculdade.

Um turbilhão de sentimentos me invadiu, e me rendi. Chorei copiosamente, me lembrando que nesse momento poderia estar morto ou internado em um hospital. Estaria com minha família desesperada e meus amigos desolados. Mas simplesmente resolvi dar uma chance à vida, e apareceu uma oportunidade de trabalho.

Mesmo não sendo a área que eu queria, abracei aquela oportunidade de remuneração, e, principalmente, de renascimento. A partir desse momento todos os outros aspectos da vida melhoraram consideravelmente.

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A lição ficou. Não sei como que um momento de lembrança do passado e de inspiração na minha alma de criança me fez desistir do suicídio. Mas entendi que, por mais dolorido que seja um momento, a existência se constrói a cada escolha.

Escolher, fazer projetos, demanda coragem, e podem não dar certo. Mas as derrotas e vitórias decorrentes disso são pérolas mais belas do que qualquer desistência. Eu disse ´sim´ para a vida e não me arrependi.”

Rotiv Silva




Psicólogo, reside no Rio de Janeiro e é colunista do site Fãs da Psicanálise.

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