“Amor só dura em liberdade” – cantou o lendário Raul tantas vezes em nossos ouvidos desatentos. O samba enredo ecoava entre pandeiros e tambores o seu “liberdade, liberdade, abra as asas sobre nós”.

Havia ainda os poetas portugueses. Fernando Pessoa exaltando a liberdade preguiçosa com um “Ai que prazer / Não cumprir um dever, / Ter um livro pra ler / E não fazer!”.

E Manuel Maria Barbosa du Bocage, por sua vez, embelezando o tema com “Liberdade querida e suspirada, / Que o Despotismo acérrimo condena; / Liberdade, a meus olhos a mais serena, / Que o sereno clarão da madrugada!”

Encontramos referências à liberdade em todos os cantos, em todas as artes, em tantos dizeres soltos por aí. Mas será que conseguimos vivenciá-la de verdade, ao menos em parte, em nossos relacionamentos?

Liberdade é leveza, é ar que entra pelas janelas para arejar o ambiente, as mentes, os corações e os sentimentos. Liberdade precisa ser a nota mais alta nas canções que cantamos com o outro – seja esse “outro” a família, um amigo ou o(a) parceiro(a).

O Mário Quintana tem um texto lindo intitulado “O laço e o abraço”. Lá ele compara o laço ao abraço, depois faz uma analogia entre laço e relacionamento. E o texto termina lindamente assim: “Então o amor e a amizade são isso… Não prendem, não escravizam, não apertam, não sufocam. Porque quando vira nó, já deixou de ser um laço!”

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Relacionamento sem liberdade vira obrigação. E obrigação transforma laço em nó. Nó aperta, machuca, afugenta a espontaneidade. Um relacionamento pautado por “tenho que” vira prisão, com grades pesadas e cadeados de previsibilidade.

Quando duas pessoas criam um laço afetivo, um laço afetivo genuíno, o carinho e o respeito já estão automaticamente estampados nas fitas invisíveis desse laço.

Existem conversas francas – elas precisam existir, porque são o elo de ligação entre os dois lados. Afinal, duas pessoas nunca são idênticas na maneira de enxergar o mundo, de (re)agir em dadas situações, de significar os acontecimentos.

E só conversas francas são capazes de alinhar as diferenças – ou, melhor dizendo, de estreitar o conhecimento que uma tem do universo da outra.

Conversar abertamente e expor o “como eu me sinto” nada tem de errado. Pelo contrário, é um jeito honesto e maduro de permitir que a outra pessoa conheça um pouco mais as engrenagens que colocam o seu mundo em funcionamento. O “como eu me sinto”, entretanto, não tem nenhuma conexão com o “como você deve agir”.

O “você deve” e o “eu devo” entram na parte do nó, não do laço. Eis o divisor de águas do famigerado conceito de LIBERDADE NO AMOR.

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Liberdade é ser autêntico e respeitar a autenticidade do outro. Liberdade é não exigir e não ser exigido(a), é não pressionar e não ser pressionado(a). O que (só) acontece com projeção de responsabilidade ou forçação de barra, honestamente, tem valor afetivo zero.

O bacana da vida é querer estar junto de quem se ama. E esse querer tem que ser leve, sem o peso das chantagens ou das moedas de troca. É ter disposição verdadeira para acompanhar o outro, mesmo quando o programa não é o seu preferido – mas ainda assim você está lá de corpo, alma e coração abertos, você está lá inteiro(a).

O bacana da vida é ter aquela(e) amiga(o) querida(o), que mora na sua caixinha mágica de preciosidades, mas que você passa meses sem ver por pura falta de tempo e de planejamento – e mesmo assim ela(e) não te cobra, não se sente preterida(o) e nem te enxerga como um monstro insensível. E quando vocês se encontram é tudo lindo, nem parece que passaram tanto tempo sem conversar e sem se espremer dentro de longos abraços de urso.

O bacana da vida é encontrar a família num almoço de domingo depois de vários domingos sem família – e sem almoço – e, além de comida farta, encontrar a mesa repleta de alegria e de amor que transborda em cada risada, em cada novidade compartilhada, em cada velhidade relembrada.

Os nossos laços precisam de ar. Precisam de tempo próprio, de vida própria, de programas próprios, de preguiças próprias.

Cobrança não salva nenhum amor. Cobrança desgasta e machuca, porque cobrança é nó. E antes que eu me esqueça: cobrança não garante fidelidade, não garante disposição para compartilhar o tempo, não garante a espontaneidade da qual todos os amores se alimentam.

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E sentir ciúme, é proibido? Não, claro que não! Afinal, temos um coração de carne batendo num peito que também é de carne. Mas ciúme bem resolvido – e bem admitido! – entra no pacote das conversas francas. Se o ciúme tá incomodando e virando nó, tem que passar pelo filtro do “como eu me sinto” para se aninhar dentro do laço.

E todo laço, com suas reentrâncias e saliências, com suas suavidades e curvas bruscas, tem espaço de sobra para abrigar muitos ninhos. E, diferentemente das gaiolas, os ninhos acolhem, protegem; mais que isso: os ninhos estão sempre lá esperando os passarinhos retornarem de seus voos. E passarinho feliz volta. Ele sempre volta.




Graduada em Letras, com MBA na área de Engenharia da Qualidade, não trabalha nem numa área, nem na outra - o que mostra que nem tudo é linear nessa vida. Não é terapeuta, nem psicóloga; está começando a tatear seus caminhos profissionais na astrologia (porque é por ali, no meio das estrelas, que o coração dela estacionou há tempos...). Tirando a parte dos rótulos, ela é apenas uma dessas pessoas que tentam viver com ética, bom humor, leveza e autenticidade - e que nem sempre conseguem, mas continuam tentando. Escrever foi a forma que ela encontrou, desde muito criança, para organizar a bagunça da mente e do coração. Por sorte, tem funcionado desde então. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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