Minha querida,
Já faz uns dias que queria te escrever, mas imagino que a correria aí esteja grande e pode ser que nem tenha muito tempo para ler esta carta. Bem, vou torcer para que sim. Serão apenas alguns minutos. São tantas coisas pra dizer e me pego sem saber por onde começar.

Talvez deva começar te dando parabéns pelo nascimento do seu bebê. Não é o que todo mundo faz? Parece clichê ter que responder a isso o tempo todo, não é? “Obrigada”, você deve estar cansada de responder. Mas não precisa me dizer nada.

Pode ser que você esteja querendo ficar um pouco quieta, na companhia de um pouco daquela solidão gostosa que sentia quando seu bebê ainda estava dentro da sua barriga. Agora a casa vive cheia de gente e você sente, ao mesmo tempo, que precisa um pouco disso, porque tem muitas inseguranças a respeito de estar ou não fazendo tudo certinho. Aos poucos você perceberá que cada pessoa tem um palpite diferente sobre o que é certo ou errado nos primeiros cuidados com o bebê. Tente filtrar.

Os palpites te irritam um pouco, não é? Alguém já sugeriu que desse chazinho? Ou já passou por aí aquela pessoa perguntando: “será que seu leite é suficiente?”. E mesmo que tenha se informado bastante, recebido diversas orientações profissionais, até mesmo você duvidará de sua capacidade de cuidar ou amamentar seu filho. Mas calma, a não ser que já tenha trabalhado como babá, é a primeira vez que está cuidando de um bebê. E eu tenho certeza de que está fazendo o seu melhor possível.

Como anda seu sono? Lembra daquele conselho que todo mundo te dava quando estava grávida? “Durma bastante! Aproveite agora!”. Não adiantou nada, né? O sono não é cumulativo, infelizmente. Bem que podíamos ter um banco de horas de sono. Mas o que acontece de verdade, como você sabe, é uma mudança total na sua relação com o tempo. As 24 horas do dia passaram a ser contadas entre mamadas e cagadas, e não mais entre claro e escuro, dia e noite.

Isso é de enlouquecer qualquer um, eu sei. Para não sofrer tanto com isso, você terá que submergir em uma nova lógica temporal. Te peço: não se cobre tanto, não tenha pressa para que as coisas voltem ao normal. Com o tempo, sua relação com as horas e com o sono também se alterará. É porque está tudo ainda no começo e é muito difícil, mas se permita este mergulho num tempo completamente diferente de tudo o que você já conhecia antes.

Claro, sempre que puder dormir, durma. Mesmo que seu bebê esteja acordado, peça ajuda. Seja para o pai, ou para a outra mãe, para a sua mãe ou seu pai, para alguém que você ame e confie. Se não tiver ninguém para ajudar, durma quando ele dormir. Eu sei que é difícil, mas tente se desligar uns minutos. O sono, ainda que interrompido, será fundamental para sua saúde mental, acredite.

Tomara que você tenha alguém que cuide dos afazeres domésticos, mas se não tiver, deixe estas preocupações um pouco de lado. Pense em você e na sua recuperação. Sim, mesmo que seu parto tenha sido normal, descanse.

Sabe, querida, tente não se sentir culpada se algum questionamento passar por sua cabeça, colocando em dúvida se tomou a decisão certa escolhendo ser mãe. Tudo está mudado: seu corpo, sua rotina, seu desejo, etc. É bem provável que este pensamento te importune, mesmo depois do puerpério. Arriscaria dizer que grande parte das mulheres pensa nisso, mas não se permite verbalizar. Só diga para quem você ama e confia também.

O mundo não está preparado para saber que nem sempre as mulheres têm certeza quanto a seu amor por um filho. O que não quer dizer que não amem.
Deixa eu te explicar melhor. O amor materno é uma construção, assim como todo tipo de amor. É um laço que se cria, ou não. O que quero dizer é que não se trata de instinto. Uma mulher não ama automaticamente um filho só pelo aspecto biológico da coisa. E mesmo que você ame um filho, haverá dias em que terá vontade de sumir, de voltar para a sua doce solidão anterior. Não se sinta culpada por isso. Eu não tenho dúvidas de que será muito melhor para o seu bebê ter uma mãe que vacila, que não é perfeita. Mães que se creem perfeitas são muito nocivas.

As pessoas costumam dizer que, para a psicanálise, tudo é culpa da mãe. Isso não é verdade. É só um jeito leigo e invejoso de tentar desqualificar a teoria. A culpa tem lá sua função civilizatória, mas quando é demais, precisa ser trabalhada. Qual é a questão? A relação mãe-filho, ou cuidador-bebê, é fundamental por ser muito primordial na vida de um ser humano. Todos nascemos prematuros, certo? Precisamos de cuidados para comer, estar limpos e minimamente confortáveis. Então as primeiras relações serão muito importantes na vida de todos nós. Logo, não se trata de culpa, mas de o estabelecimento de um vínculo.

Uma mãe não tem que dar conta de tudo. Você não dará conta de tudo, ainda que queira muito. Todos temos limites, físicos e psíquicos, que precisam de cuidados. Acredite, será muito melhor para seu bebê se você souber disso e não se culpar tanto por qualquer coisa.

Em algum momento, a bunda dele vai assar, ele vai chorar enquanto você toma banho (você está lembrando de tomar banho?). Se ele chorar um pouco, não terá nenhuma consequência grave. A frustração faz parte, inclusive, da nossa estruturação psíquica. Então, baby, relax.

Se seu seio doer pra amamentar, procure ajuda. Você não precisa passar por um calvário. Se o peito doer de angústia, procure ajuda também. Mas antes de qualquer coisa, lembre-se sempre dos seus limites.

Você será uma mãe tanto melhor quanto puder admitir isso, para si, para os outros e, principalmente, para seu filho. Não se esqueça nunca do que eu te disse antes: mães perfeitas são demasiadamente nocivas.

Em breve nos falamos novamente.




Psicóloga clínica, psicanalista, membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano - Fórum do Campo Lacaniano de MS. Revisora de textos na Oficina do Texto. Especialista em Direitos Humanos pela UFGD e em Avessos Humanos pelo Ágora Instituto Lacaniano. Mestre em Psicologia pela UFMS. Despensadora da ciência e costuradora de palavras por opção. Autora dos livros Costurando Palavras: contos e crônicas (2012), Em defesa dos avessos humanos: crônicas psicanaliterárias (2014) e do romance Nau dos Amoucos (2017). Mãe do Adriano.

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