Querida-eu-com-44,

Espero que você se encontre bem, com corpo, mente e alma em equilíbrio. Espero que você se encontre feliz. Espero que você se encontre ainda moleca (com aquele encantamento bobo pelas coisas simples) e otimista apesar de todos os perrengues que a vida certamente lhe fez segurar, apesar das suas rugas novas e do seu coração sacudido por novas dores – algumas provavelmente ainda latentes…

Você já sabia um pouco sobre dores, mas torço para que elas não tenham diminuído o brilho dos seus olhos e o bom humor que tanto lhe ajudava a enxergar com cores o que teimava em ser preto e branco. Por falar em preto e branco, e os seus cabelos? Envelheceram também? O que você fez? Assumiu os brancos ou virou ratinha de salão de beleza (coisa que você nunca gostou)?

Espero também que você não tenha parado com a corrida e que já tenha participado de pelo menos uma maratona na vida. Que você continue comendo mais ou menos direitinho, mas que ainda esteja enfiando o pé na jaca sem peso de consciência quando dá na telha. Porque né, você sempre foi daquelas que comiam arroz integral, mas se lambuzavam de Nutella quando dava vontade.

Que se matavam na corrida, mas não abriam mão de uma preguiça longa. Que curtiam um bom suco detox, mas não perdiam a companhia dos amigos com uma bela gordice a qualquer hora. Você seeeeempre foi daquelas que valorizavam o comedimento dos 8, mas que adoravam a loucura transbordante dos 80…

Aos 34 você já tinha aprendido bastante sobre autenticidade, sobre assumir com alegria o ônus e o bônus de ser você mesma. Você não regrediu, né? Espero que esteja ainda mais bem resolvida na parte do ônus. Se não estiver, por favor, pare tudo e mude de rota. Agora! Você fez alguma besteira e tomou um caminho torto por aí!…

Torço para que você tenha treinado mais aquela parte de abrir mão da sua zona de conforto em nome das pessoas que você ama ou em prol de uma boa causa, longe do seu sofá, dos seus livros e do Netflix (by the way, o Netflix ainda existe?); que você tenha aprendido que esse “esforço” acaba sempre virando um presente pra você mesma.

Será que você aprendeu a optar mais pelo silêncio? Aprendeu que às vezes simplesmente não adianta insistir? Que as pessoas não vão mudar o jeito delas de olhar pro mundo – e nem entender o SEU mundo – com blá-blá-blá? Tenho fé de que essa lição já seja uma página superada na sua cartilha. Porque aqui, desse lado do tempo, você já está ficando cansada, já está conseguindo lidar melhor com o que não consegue controlar ou mudar, mesmo quando seu desejo é imenso.

Leveza. Leveza sempre. Aceitação. Desprendimento. Espero que essas palavras, ao contrário, nunca estejam superadas na sua cartilha – elas precisam, isso sim, estar renovadas de sentido a cada dia. Ao contrário de você, elas precisam engordar sempre. Ok, não vamos falar nem de peso e nem de balança aqui. Só te digo uma coisa: uns seis quilinhos a menos não iam te fazer mal em fevereiro de 2016.

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Gordinha ou não, quero que você continue preservando o SEU tempo. Você sempre fez questão dele, LIBERDADE era seu lema. Você já se machucou por causa dela, eu sei. Mas estava aprendendo a dosá-la de um jeito bacana, já tinha entendido que liberdade demais às vezes cria distâncias que nunca mais se encontram de novo. Mas espero que você continue saindo sozinha sem se sentir sozinha – pro cinema, pro bar ou sem rumo.

Lembra das vezes em que você simplesmente saía sem rumo por aí, com o som do carro bem alto, e só parava em algum lugar se desse vontade? Isso era muito energizante. Se você não fez mais isso, te convido a terminar de ler essa carta num lugar assim: que apareça no seu caminho e te faça sentir vontade de embicar o carro (pelamordedeus, me diga que você ainda tem um carro!).

Quero que você ainda encontre seus amigos e que vocês riam de velhas histórias; mas que já tenham um montão de histórias novas acumuladas pra enriquecer o baú da sua memória aos 54.

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Você ainda se esforça pra praticar a incrível arte de viver o AGORA? Sabia que esse foi um propósito forte no início do seu ano de 2016? Se você se esqueceu da importância disso, por favor, direcione todas as suas forças pra lembrar que você, aos 34, aos 44, aos 104 ou aos 304, não pode exercer nenhuma influência sobre o futuro e nem pode mudar o que passou. Então, querida, viva o HOJE com intensidade. É só o que você precisa fazer na vida.

Você adotou um cachorro da rua e o batizou de Folia?
Você parou de vez de comer carne?
Você aprendeu definitivamente a não confiar em primeiras impressões ou ainda tá batendo cabeça com isso?
Você ainda come amendoim feito elefante de desenho animado?
Seu coração ainda dispara com cheiro de consultório médico? Ainda tem medo de dentista?
Você desencalhou aquele seu projeto do livro infantil?
Voltou a estudar Astrologia?
Aprendeu a comer mais frutas e iogurte ou continua com vontade de chorar quando uma pera olha pra você?
Você ainda dá nome pra tudo? Hoje, por exemplo, sua geladeira se chama Gertrudes, o orégano que mora na sua lavanderia se chama Giovani e o seu carro se chama Bernardo (aliás, você dizia que só se desfaria do Bernardo quando ele parasse de funcionar. Cadê o Bê?).

Você ainda tem sonhos esquisitos? Tipo aquele em que você era um pêssego ou aquele no qual você conversava com um elefante chamado Conrado?
Será que você se apaixonou outras vezes?
Será que você se casou de novo? Ou continuou achando que Giselle e casamento não dariam mais certo numa mesma frase (ou numa mesma casa)?
Será que você teve um filho? Não consigo te imaginar no papel de “mãe”, mas se isso aconteceu me atrevo a dizer que você está se divertindo horrores. E morrendo de amores. E de sono, sono, muito sooooono!

Bom, acho que já conversamos o bastante por dez anos… Vou ficar aqui degustando mais uma xícara de vida e brincando com o tempo enquanto espero a sua resposta. Não falhe em me escrever, please. Estarei bem aqui, na marca dos 34, mas também lá, na marca dos 54, esperando mais um pombo-correio chegar com o pergaminho enroscado no pé. E que ele venha voando bem alto, apreciando a beleza que só quem transita entre o céu e a terra pode experimentar.

E ó: não se preocupe com o fim que isso tudo vai dar. No meio dessa jornada de décadas, pombos e histórias, o pior que pode acontecer é a gente constatar que aquela sua profunda teoria sobre o sentido da vida era mesmo verdadeira. Lembra?: “a vida, meus caros senhores, nada mais é que um cachorro correndo atrás do próprio rabo”.




Graduada em Letras, com MBA na área de Engenharia da Qualidade, não trabalha nem numa área, nem na outra - o que mostra que nem tudo é linear nessa vida. Não é terapeuta, nem psicóloga; está começando a tatear seus caminhos profissionais na astrologia (porque é por ali, no meio das estrelas, que o coração dela estacionou há tempos...). Tirando a parte dos rótulos, ela é apenas uma dessas pessoas que tentam viver com ética, bom humor, leveza e autenticidade - e que nem sempre conseguem, mas continuam tentando. Escrever foi a forma que ela encontrou, desde muito criança, para organizar a bagunça da mente e do coração. Por sorte, tem funcionado desde então. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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