“O dinheiro não é — e nunca foi — a causa, mas apenas o instrumento catalisador desse processo de separação; consequentemente, nosso distanciamento da natureza, do amor, da comunidade e do ‘todo’ vai chegando ao extremo.”

Imersos na lógica do dinheiro, encaramos essa Separação como algo bom. Se te parece absurdo, pense no significado de “independência econômica” e seu objetivo direto. Estamos falando de estabilidade financeira, concordam? Em outras palavras, ter “estabilidade financeira” é não depender de nada nem de ninguém, pois o dinheiro promete nos isolar dos caprichos da natureza, dos imprevistos da vida, do meio físico e, se quisermos, até do convívio social. Sob essa perspectiva, a busca pela estabilidade financeira é apenas uma projeção da ânsia pelo controle absoluto em nossas vidas.

Nossa eterna campanha para se ver livre dos caprichos do destino, das catástrofes naturais e da dependência de outras pessoas, ou comunidade, nunca chegará ao fim, mesmo que seu aparente sucesso persista por algum tempo. Entra em cena o típico cidadão de classe média: uma pessoa bem empregada (além de um bom CV pra conseguir outro emprego em tempos de crise), com saúde (além de um bom plano de saúde em caso de alguma fatalidade), com investimentos diversificados (por via das dúvidas), e assim por diante.

Na prática, essa pessoa não depende de ninguém, ou melhor, de nenhuma outra pessoa específica. É claro que ainda depende do agricultor que produz seu alimento, mas não de um agricultor em particular, nem de qualquer indivíduo. A bondade de qualquer pessoa em particular é desnecessária, pois há sempre quem se disponha a fazer algo, seja lá o que for, por dinheiro. Quem vive como se “tudo tivesse um preço”, vive num mundo sem compromissos e, assim, não deve nada a ninguém.

A perfeita independência (econômica ou não) estará sempre além do alcance, pois é uma ilusão que esconde uma dependência ainda maior. Entretanto, o perigo não está na dependência, mas na ilusão. É a ilusão que nos separa e, portanto, permite destruir tanto do que realmente somos dependentes. E somente algum tipo devastador de crise é capaz de quebrar essa ilusão: morte, divórcio, falência, doença, humilhação, prisão e por aí vai. Mantemos todas essas crises o mais longe possível com nossos hábitos de gerenciamento e controle, mas eventualmente uma ou outra acaba encontrando seu caminho através da “fortaleza de estabilidade” que trabalhamos tanto para construir, não é mesmo?

Sim, esses eventos nos transformam profundamente. O desapego surge naturalmente ao descobrir que só alcançamos a verdadeira segurança (duradoura e confiável) quando passamos a controlar menos, não mais; quando nos entregamos pra vida e ampliamos as fronteiras do Eu, permitindo que outras pessoas se aproximem; quando estabelecemos laços com uma comunidade de pessoas e com a natureza; quando, enfim, nos tornamos mais dependentes, não menos.

Podemos traçar um paralelo entre cada uma dessas crises pessoais e os problemas que a humanidade enfrenta atualmente. Enfrentamos a falência no esgotamento de recursos naturais — solo, água, energia; o divórcio, na dissolução de comunidades e no descaso social; a morte, na crescente crise ecológica e nos constantes conflitos ao redor do mundo. E assim que nos deparamos com tais crises, nosso primeiro impulso é resistir às mudanças, estendendo essa ilusão de independência na esperança de mantê-la. Consequentemente, a ânsia por controle cresce ainda mais, só para remediar o que fugiu ao controle — perceba a ironia do fenômeno.

Leia Mais: Não, tempo não é dinheiro

A importância que damos à independência material e social tem raízes em nossa “mitologia” (o conjunto de narrativas que construímos para explicar as coisas). No universo indiferente, de Newton, ou no mundo competitivo, de Darwin, a independência de tudo e de todos é, certamente, a melhor alternativa. Afinal, ao possuir cada vez mais do mundo, podemos torná-lo mais seguro, deixando o papel de mero espectador para assumirmos a posição de “donos” — mas também reféns da ilusão criada pelo “possuir”. Uma vez donos, adquirimos poder sobre os imprevistos que recaem sobre nós para maximizar os recursos disponíveis em benefício próprio.

O dinheiro acabou se tornando um instrumento de destruição do que conhecemos como amor, verdade, beleza, espiritualidade, natureza e comunidade. Mas como foi que deixamos isso acontecer? Conceitualmente, a ciência reducionista já previa o desaparecimento de todas essas coisas há séculos, pois, segundo Galileu, são exemplos de qualidades secundárias, que desaparecem quando encaramos as coisas de forma isolada, ou seja, quando dividimos o “todo” em busca das “partes”. O dinheiro, como unidade de medida padrão para a redução da vida, trouxe o reducionismo à realidade, ao nosso dia a dia — eis a história do nosso empobrecimento.
Leia Mais:

O objetivo, porém, não é te deixar sem esperanças ou angustiado, por mais evidente que seja a minha indignação. Na verdade, a ideia é aumentar nossas expectativas e ajudar a inspirar um sentimento de possibilidades sublimes. Essa é a semente que vale a pena plantar e, no futuro, dividir os frutos. Somente ao reconhecer o que foi perdido, e de que forma isso aconteceu, é que poderemos traçar um caminho para a restauração.

Quero chamar sua atenção ao sentimento de impotência que nos faz desistir de tanta coisa, de abandonar a esperança em fazer alguma diferença e nos entregar à sensação de ser arrastado pela inércia da vida para seguir um roteiro que nos é imposto — seja você rico ou pobre, poderoso ou oprimido.

A impotência a qual me refiro é, curiosamente, ainda mais extrema nos “vencedores” da nossa sociedade, por dois motivos: primeiro, porque a dinâmica empobrecedora do dinheiro tende a avançar mais em suas vidas; segundo, porque o vazio proveniente do consumismo é ainda mais evidente aos que têm de tudo. A busca em ter, conseguir e aparentar perde o sentido frente à riqueza das relações e do ser, simplesmente “ser”.

Estou apelando, em outras palavras, ao senso de que um mundo melhor é possível. Não precisamos sofrer por tudo de belo que já se foi, nem ter rancor por quem, ou pelo quê, nos tomou algo. No entanto, é importante reconhecer e assumir o que se perdeu, aceitando o passado por completo para trilhar um futuro por inteiro, em busca de uma experiência plena do presente, da realidade e das coisas que realmente importam. É hora de quebrar paradigmas para se libertar!




Engenheiro Químico (UFSCar-SP) e graduando em Psicologia (FMU-SP). É colunista do site Fãs da Psicanálise.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui