Eu não quero me viciar em cada gesto bonito teu. Nem fazer do teu olhar o meu preferido, que brilha cada vez que vê algo bom. Não quero ser dependente do enlaço dos teus braços, que me acolhe nos meus piores dias. Não quero te assustar com a minha risada escandalosa, cada vez que contar uma piada sem graça e eu rir só pelo modo como conta. Nem me pegar em murmúrios, quando estiver cansado demais para ouvir minha voz no alto falante.

Eu não quero doar mais que do que estou disposta a receber, porque eu tenho mesmo o hábito de afastar tudo que me faz bem. Por achar que sentimentos não merecem tantos holofotes assim, que momentos nos trazem lembranças eternas e elas, sim, merecem ser vividas no máximo de intensidade que pudermos. Por receio. Por burrice. Ou por medo mesmo.

Eu não quero me derreter, sempre que falar com esse seu sotaque atrevido e pronunciar palavras que só você entende. Não quero ter que inventar que estou com sono, só pra sairmos do bar e corrermos pra minha cama. Pra te mordiscar inteiro. Arrancar tua camisa. Acariciar teu corpo. Fazer de uma noite chuvosa uma memória gostosa. Eu não quero ter que te achar especial por me ouvir filosofar sobre o Universo, a natureza e como é mágico observar o pôr do sol.

Eu não quero ter que adiar o sentir. O teu sentir. Eu não quero ter que ficar prolongando um sentimento que na verdade já chegou, mas se esconde em todo o meu caos. Eu não quero ter que fingir ser um robô humano, que pega e não se apega. Eu não quero ter que repetir mil vezes para mim mesma “não se apaixona”, cada vez que meu coração dispara quando você me manda uma mensagem de voz porque eu não resisto mesmo ao timbre da sua fala, que se arrasta docemente transformando uma frase estúpida numa melodia.

Eu não quero me perder nas suas entrelinhas, quando desvenda meus mistérios. Eu não quero me perder no tempo, tentando te decifrar, sabendo que eu não consigo nem decifrar suas tatuagens. Eu não quero ser a amiga chata, que repete teu nome descontroladamente e arruma um jeito qualquer para te colocar em pauta na conversa.

Eu não quero me entregar só porque consegue acompanhar cada movimento meu. Você chegou com prazo de validade. Sua ida tem data prevista, talvez sem volta. Eu não quero me decepcionar se eu descobrir que você não é o cara que eu imagino que seja. Eu não quero gaguejar, sempre que me disser “não crie expectativas”. Eu não quero ser válvula de escape pra aliviar suas tensões turbulentas. Eu não sei lidar com pouco, com o menos, com metades, com incertezas. E é por isso que dou adeus ao que nunca teve início.

“Eu não quero me apaixonar por você”, foi o que eu repeti quando, em teoria, eu estava convicta de que eu não queria mesmo me envolver. O que eu não sabia é que eu já estava envolvida. Em um nó bem-feito, disfarçado de laço bonito.




Ela ama comer. Tem medo de apontar para uma estrela no céu e acordar com uma verruga no dedo. E também ama comer. Acredita que troca de olhares, às vezes, são mais bem dados que beijos de cinema. Não confia em pessoas que não gostam de animais. E ama comer. Tem medo do escuro e acha normal falar sozinha. Vive no mundo da lua e adora comer por lá também. É sagitariana, paulista, teimosa, devoradora de filmes, gulosa por livros e por comida também. Mas acha tolice tudo acabar em pizza, porque com ela, acaba em texto. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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