Quase todos contamos com diversos livros ou filmes que lembramos com imenso carinho e que de alguma forma marcaram nossa infância. No meu caso, “A história Sem Fim” é um deles.

Mas ao lê-lo novamente, uma vez adulta, compreendi que é um livro que reflete a depressão infantil, com o nada como grande protagonista.

Através do nada, como uma metáfora da perda de imaginação, da perda da inocência no mundo adulto, ele conta que crescer não precisa significar deixar de sonhar. Porque se você parar de sonhar, o Reino da Fantasia deixará de existir, ainda que, com uma gota de esperança, tudo possa surgir novamente.

Por isso, o nada pode ser encarado como uma forma curiosa de explicar às crianças o que é a depressão infantil. Mas não é a única forma adotada no livro ou no filme. Pouco a pouco o seu autor, Michael Ende, explora desde os sintomas até a melhor forma de enfrentá-los.

Aviso o leitor que a partir daqui o artigo irá se aprofundar no livro e no filme e que, portanto, contém spoilers.

“É preciso lutar contra a tristeza para que não nos arraste.”
-‘A História Sem Fim’-

A depressão infantil e os pântanos da tristeza

Bastian, o protagonista do livro, é uma criança que se mostra mergulhado no luto recente da perda da sua mãe. Além disso, parou de fazer coisas que antes lhe eram prazerosas e lhe proporcionavam estímulos, como a natação ou a equitação, e na escola, ou melhor, no caminho até lá, seus colegas fazem o que agora conhecemos como bullying.

O único jeito que ele tem de escapar desse mundo horrível é usando a sua própria imaginação. O livro aproxima o leitor de um grupo de seres fruto da imaginação que tinham tudo. Um tudo que, repente, o nada levou embora.

Isto é, assim como ele, estes personagens perderam o paraíso da sua vida tranquila. Uma vida que Bastian também tinha quando estava com sua mãe, por uma coisa que aconteceu rapidamente e que não tem explicação.

O nada é esse vazio, essa coisa terrível que cresce se tornando maior do que aquilo que se perde, o nada acaba com tudo. É o nada porque não se substitui por outra coisa, é apenas dor. Por isso, somente o guerreiro mais valente do Reino da Fantasia pode lutar contra ele, Atreyu. Para isso, viaja por todo o reino até que começa a encontrar as respostas nos pântanos da tristeza.

Os pântanos da tristeza são o último destino, a última esperança. Neles se encontra a velha Morla, o ser mais sábio do Reino da Fantasia. Mas os pântanos eram um grande perigo, porque neles existe o risco de que uma grande tristeza se apodere de você: se isso acontecer, você se afunda pouco a pouco nas águas alagadiças.

Esta é uma bela metáfora que fica evidente no diálogo de Bastian com Morla: não se deixe levar pela tristeza, ela afundará você, é preciso continuar lutando contra a adversidade. Por pior que você esteja, não se renda, ou você afundará. E, principalmente, não se deixe levar por aqueles que não têm a alegria da juventude e não se detêm para ouvi-la.

O nada como inferno interior

“Fantasia não é mais do que um pedaço dos sonhos e esperanças dos humanos. Fantasia está morrendo porque os homens começaram a perder as suas esperanças e a esquecer seus sonhos.”
– A História Sem Fim –

Então o nada, a escuridão, ganhou forma, se transformando em um lobo chamado Gmork. Um lobo que vai atrás de Atreyu para impedir que cumpra a sua missão. Um lobo que se faz presente nos momentos em que Atreyu perde toda a esperança.

Assim, o nada se mostra como o próprio inferno interior do protagonista. Um inferno que diz que, se você se aproximar mais dele, se você se afundar, irá acabar com você, mas Atreyu é um guerreiro que não irá se render sem brigar. Contudo, não sabe lutar contra o maior dos seus problemas, o nada.

E não pode lutar contra o nada porque não sabe atravessar as fronteiras do Reino da Fantasia e comunicar para aqueles que estão do lado de fora, aos adultos, o que acontece na verdade. Porque para uma criança, enfrentar a dor de uma forma real, como fazem os adultos, é uma coisa muito complicada, e por isso criam seu próprio universo.

O pó de esperança pode mudar tudo

“- Fantasia pode se erguer novamente, a partir dos seus sonhos, se você desejar, Bastian.

– Quantos desejos posso pedir?

– Tantos quanto você quiser. E quantos mais desejos você pedir, Fantasia irá se tornando cada vez maior.

– É mesmo?

– Experimente”

– A História Sem Fim –

Mas no fim das contas, quando o nada levou quase tudo, Bastian entendeu que ele era o protagonista da sua história. Que estava triste, que depois da morte da sua mãe era ele quem se afundava no pântano da tristeza.

Era ele mesmo que tinha perdido o seu mundo maravilhoso, e eram os adultos, seu pai e o dono da biblioteca, os que não queriam ouvi-lo, e como Morla eles pediam que deixasse de ser uma criança, de usar a sua imaginação para penetrar no mundo dos adultos.

Mas preservava uma pitada de pó de esperança, por isso o nada não conseguiu levar todo o seu mundo embora. Não é que as crianças não possam entender o mundo dos adultos, os adultos não entendem o mundo das crianças. Por isso eles, com suas brincadeiras e suas histórias, através da sua imaginação, nos aproximam do seu universo interior, e isto faz com que na psicologia infantil as técnicas projetivas sejam muito importantes.

Por isso Fantasia é tão importante, porque através dela as crianças nos comunicam como se sentem e podem nos dizer coisas que não sabem como expressar. Porque para uma criança, conseguir entender o conceito de depressão infantil não é uma coisa fácil, mas explicar que um personagem da sua imaginação, de Fantasia, está triste por perder tudo, é muito mais fácil.

Fonte: amenteemaravilhosa.com.br




A busca da homeostase através da psicanálise e suas respostas através do amor ao próximo.

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