O mundo anda doente e viver é cada vez mais perigoso. Assistir aos noticiários e ler os jornais tornou-se um suplício, uma prova de resistência.

Os momentos de dissabor e de desgosto só aumentam em nosso dia-a-dia, levando-nos a cada vez mais ansiar pela fuga e pelo escapismo frente a um mundo que nos perturba, recheado de contrassenso e de intolerância.

Todos necessitamos de um tempo sozinhos, cá com nossos botões, para reabastecermos nossas forças e voltarmos renovados para a lida diária. Nunca estaremos felizes por completo, tampouco imunes às contrariedades em casa, na escola, no serviço, na mesa de bar – e isso é bom para nosso aprendizado como pessoa. Entretanto, o ritmo de vida a que somos obrigados a nos sujeitar esgota-nos as energias, fragilizando nossos sentidos e nossa visão de mundo.

O poder monetário, hoje, é o que nos qualifica como cidadãos de direito, pois temos de pagar caro por um mínimo de qualidade de vida.

Com isso, acumulamos serviços, alternamos dias estafantes com noites em claro, dormindo e acordando à sombra da fatura do cartão de crédito. É preciso ganhar mais e mais dinheiro, para pagar o plano de saúde, a escola do filho, o guarda particular da rua, as contas de força e de luz absurdamente inflacionadas, o boleto do carro, da casa , de tudo que ainda nem é nosso.

Daí nos lembramos de nossos pais e avós trabalhando oito horas diárias e passando a noite em casa, descansando e conversando com a família, e percebemos que as relações eram regadas diariamente, o compartilhamento de vida e a atenção para com o outro eram continuamente exercidos. Tanto os bens quanto os casamentos e amizades duravam, pois havia tempo para serem desfrutados, discutidos, oxigenados.

Havia ao menos um contraturno que era preenchido com dedicação às pessoas, aos sentimentos, à amizade e ao amor. Não precisávamos, assim, aprender distorcidamente, nas ruas ou pelos programas televisivos e redes sociais, sobre valores, convivência, dignidade – tínhamos exemplos vivos ali na nossa frente, à disposição.

Éramos aconselhados a sermos homens de bem e não de bens, e crescíamos com a ideia clara de que nada substitui a interação com o próximo.

Aprendíamos, desde cedo, o valor das coisas e esperávamos para ganhar presentes em datas especiais, pois sabíamos aguardar até um ano todo por um brinquedo, um sapato, um LP.

Não jogávamos fora quase nada, porque não entendíamos a necessidade de substituir uma coisa pela outra, uma amizade pela outra, uma parceira pela outra – sentimento não tinha prazo de validade.

Sabíamos o valor do dinheiro, uma vez que ele era algo concreto e visível, em nossas carteiras, embaixo do colchão, economizado nos cofrinhos e cadernetas de poupança, ao passo que hoje as cédulas são virtuais, abstratas e simbolizadas pelo cartão de crédito, em somas que fogem ao nosso orçamento. Dada a dificuldade em lidarmos com algo que não existe concretamente, avolumam-se nossas contas, nossas dívidas, nossa dor de cabeça.

Iludidos pelo status conferido pelas aparências, trabalhamos mais, compramos mais, gastamos mais e vivemos menos. Aumentamos nossa proximidade das coisas e alargamos nosso distanciamento das pessoas.

Não nos sobra tempo para ver, ouvir, tocar e sentir o outro. E então o outro desiste de nós, pois ninguém consegue permanecer no vazio por muito tempo, sendo que ninguém é obrigado às ausências e silêncios alheios. Quando nossas vozes ecoam no vácuo, sem encontrar retorno, somos levados a procurar outro lugar onde teremos trocas – de sorrisos, de presentes, de olhares, de vozes, de vida enfim.

Como resultado e com uma frequência cada vez mais intensa, estamos sendo obrigados a projetar uma vida diferente da que vivemos, bem longe, no mundo ideal com que sonhamos, exatamente porque nossas vidas tornaram-se robóticas, frias, competitivas e vazias de sentido e de tempo parar vivenciarmos o essencial, aquilo que nos preenche de razão de viver e nos habilita ao entregar-se, ao amar e ser amado.

Queremos fugir, seja através de alucinógenos, de barbitúricos, seja bebendo todas, agredindo, ou violentando a nós mesmos.

Por isso andamos tendo tanta vontade de sumir, de mandar tudo às favas e de desistir das pessoas. Por isso temos deixado de conviver, de conhecer e reconhecer quem está ali ao nosso lado, de sermos gratos por ter alguém que nos ama e nos quer estender as mãos.

Por isso buscamos cegamente pelo caminho até a felicidade, sem perceber que ela está dentro de cada um de nós, esperando que a deixemos nos conduzir ao contentamento, à satisfação e à alegria contida nas coisas simples, como um bom dia sorridente do amor de nossas vidas ao raiar de um novo amanhecer, todos os dias.




Graduado em Letras e Mestre em "História, Filosofia e Educação" pela Unicamp/SP, atua como Supervisor de Ensino e como Professor Universitário e de Educação Básica. É apaixonado por leituras, filmes, músicas, chocolate e pela família. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui