Algumas vezes as coisas que nos ameaçam são as que nos fortalecem. Perdas, crises e frustrações com frequência ativam em nós mecanismos de reação, de vontade de superação, de viver.

Quando isso acontece, crescemos mais que os fantasmas que nos amedrontam (e geralmente alimentamos) e nos livramos de problemas ou traumas que nunca desapareceriam enquanto ficássemos tentando evitar ou dando volta em torno deles.

Um paciente jovem com Diabetes Juvenil, ou tipo 1, seguiu esse caminho para a liberdade através de um sonho.

João (nome fictício) foi diagnosticado com diabetes juvenil duas semanas após comemorar seus dezessete anos. Ele reagiu como um animal enjaulado. Se atirava contras as limitações da sua enfermidade recém descoberta, recusando fazer dieta, tomar insulina, exagerando no que não poderia, usando a doença para se magoar e obviamente magoar os outros.

Temendo o pior, seus pais o trouxeram para a terapia, que relutante no começo, obedeceu seus pais e permaneceu.

Após seis meses com pouco progresso, ele teve um sonho, tão intenso no seu relato, que ele só sentiu que estava dormindo quando acordou.

No sonho, ele estava num quarto vazio, sem teto, em frente a uma estátua do Buda sorridente, silencioso e em paz. Sentia uma paz que nunca havia sentido, quando uma adaga foi arremessada de trás dele, indo atingir profundamente o coração do Buda.

João ficou profundamente chocado, se sentindo traído, com sentimentos de desespero e angústia. De dentro dessa confusão de mal estar e raiva, surgia uma pergunta: Porque a vida é assim?

E então a estátua começou a crescer, mas tão devagar que no início ele não tinha certeza se isso estava realmente acontecendo. Mas estava e de repente ele entendeu que essa era a reação de Buda quando recebeu a facada no coração.

A estátua continuava a crescer, sua face tão em paz quanto estava antes. A faca também continuou no mesmo lugar e do mesmo tamanho, só que aos poucos foi virando uma espécie de farpa minúscula no peito daquele enorme Buda sorridente.

Enquanto me contava aquele sonho, reconheceu o que sentiu quando viu a adaga entrando no coração da estátua. O desespero, a angústia e até mesmo a pergunta: Porque a vida é assim? havia sido a mesma que sentiu quando fora diagnosticado pela primeira vez no consultório.

João viu seu sonho como a abertura de uma porta. Seu sonho lhe ofereceu a chance de retomar o que pode ser e sugeriu que com o tempo, ele poderá crescer de tal forma que a doença que o acometeu pode se tornar cada vez menor na soma das coisas que compõe a vida.

As vezes alguém sonha por todos nós. Acho que esse foi um desses sonhos.

(Texto traduzido e adaptado de Rachel Remen)




Psicanalista, Palestrante, Professor Universitário, Viajante do mundo, curioso e eterno aprendiz..... É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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