Para nós, espectadores, a principal atração do programa é que, sem dúvida alguma, podemos, dia após dia e, de maneira sem precedentes, seguir de perto a vida de outras pessoas.

Os moradores da casa sabem que estão sendo observados e muitas vezes adaptam seu comportamento de acordo com essa regra e, dessa forma, a vida lá dentro se desenrola de várias formas.

São fofocas, conchavos, intrigas e disputas que correm soltas, ou seja, tudo aquilo que existe na vida aqui do lado de fora, dentro do programa, por várias razões, também acontece, entretanto, contudo uma merece ser destacada: tudo na casa dos Brothers leva uma pitada a mais de tensão e inquietude, se comparado aquilo que vivemos em nosso cotidiano.

Embora a maioria dos expectadores pense ser “normal” toda essa apreensão, na verdade, há uma série de efeitos psicológicos que esses participantes sofrem por estarem confinados e que nem eles mesmos, dentro da casa, tem lá muita consciência. Apenas uma coisa é certa: há mais angústia e inquietação do que o normal.

Já lhe ocorreu alguma vez tentar compreender a razão pela qual as coisas, lá dentro, se tornam tão intensas? Me acompanhe então, pois vou lhe dar algumas pistas:

Ser observado

Esse seria um dos efeitos mais imediatos e com um imenso potencial de alteração das atitudes dos moradores. Há momentos em que eles estão conscientes das câmeras e, em outros, aparentam se esquecer ao agirem de maneira livre e sem controle.

Sentir-se observado é bastante expressivo. A este respeito, um grupo de pesquisadores da Universidade de Newcastle no Reino Unido usou uma base de dados e identificaram três pontos no campus que sofriam taxas extremamente elevadas de roubo de bicicleta.

No local, para “informar” que as pessoas estavam sendo observadas, foram afixados desenhos de “olhos abertos” junto a cada local de roubo e, juntamente com isso, foi anexado um outro cartaz com a seguinte inscrição “Ladrões: Nós estamos de olho em você”. (1)

Descobriu-se algo incrível.

Eu explico.

Perceberam que apenas ter um desenho de olhos atentos, produziu um efeito inesperado sobre o comportamento dos transeuntes. As figuras provocaram, nada menos, do que uma diminuição (impressionante) de 62% nos roubos em cada um dos três locais (e vejam que eram apenas “desenhos” de olhos).

Imagine então os efeitos sobre os “Brothers” ao saberem que estão sendo filmados? Seguramente, seus comportamentos se alterarão de maneira tão intensa que, possivelmente, acabarão por perder muito de sua naturalidade e espontaneidade.

Além disso, imagine só: se já é constrangedor, para muita gente, ocupar uma posição social momentânea que atraia algum nível de atenção por um pequeno período de tempo que seja, digamos, dar uma aula ou ter que se manifestar em uma reunião, imagine então saber que algumas milhões de pessoas lhes observam por semanas?

Tal percepção deve contribuir de maneira intensa com o aumento do estresse pessoal, muito embora nem sequer tenham consciência disso.

E agora minha pergunta: quanto tempo você conseguiria se comportar não sendo exatamente quem é, apenas por estar sendo observado?

Caso você responda que “nada” mudaria em sua conduta, saiba então que é seu cérebro primitivo reagindo a um possível estímulo e, tentar neutralizar, pouco resultado você teria.

Estar confinado

Obviamente, não são permitidos estudos na direção de confinar pessoas, pois existem riscos que podem impactar a saúde mental, entretanto, relatos de prisioneiros submetidos a circunstâncias bem parecidas, incluem a manifestação de ansiedade extrema, raiva, mudanças mais intensas de humor e, finalmente, diminuição do controle dos impulsos, ou seja, as pessoas naturalmente acabam, sem que percebam, assumindo comportamentos de maior risco.

Muitas vezes, concluem os pesquisadores, os ataques de pânico estão igualmente mais presentes, assim como presença de maiores níveis de depressão e de perda de memória. (2)

Tudo isso, pelo fato de essas pessoas viverem em um ambiente que não é normal, ou seja, não estão naturalmente adaptadas, o que vai interferir de maneira expressiva nas estratégias de enfrentamento que são exibidos.

Vamos lembrar que esses ambientes “excepcionais” como, por exemplo, uma base polar, uma estação espacial, um submarino, prisão, unidade de terapia intensiva, sala de isolamento etc, podem, muitas vezes propiciar o aparecimento de perda de identidade, ou seja, uma espécie de anestesia emocional. (3)

Assim, eu lhe pergunto novamente: depois de algum tempo, como os moradores da casa que ficam confinados em circunstâncias bem adversas se tornariam? Perceba que a noção de autonomia pessoal está diretamente atrelada a noção de autoestima de cada um, o que, nessas circunstâncias decai, possivelmente, de maneira vertiginosa

Perder a intimidade

Causa efeitos psicológicos imediatos. Na vida real, quando não gostamos de alguém, podemos nos refugiar e exercer assim algum tipo de controle sobre nossos desafetos, ou seja, conseguimos neutralizar sentimentos e emoções ruins – o que diminui de maneira expressiva nossos níveis de tensão e de ameaça.

Por outro lado, dentro do programa, isso não aconteceria e, como resultado, o cérebro dos participantes fica em estado constante de tensão, possivelmente, aumentando o nível de estresse por se sentirem continuadamente sob risco (novamente, é o cérebro primitivo que comanda).

Como sabemos, herdamos de nossos antepassados um poderosíssimo recurso de sobrevivência denominado de “mecanismo de luta ou fuga”. Desta forma, frente a um estímulo ruim ou fugimos ou atacamos, mas precisamos colocar, o quanto antes, um fim no estímulo ameaçador.

Os moradores da casa, entretanto, têm pouco a opção de esquiva e fuga do ambiente, o que aumenta os níveis de medo, tensão e, finalmente, de irritabilidade. Por essa razão é que os motivos mais triviais, geram respostas hostis nos demais, pois a única opção que lhes resta é a de enfrentar, ainda que não seja do estilo pessoal de cada um.

Moral de estória: quanto mais tempo permanecerem nesse local, muito provavelmente, mais irritadiços, com menor paciência e tolerância interpessoal demonstrarão. (4)

Conclusão

Portanto, tomando por base o período especificado de permanência dentro do programa (3 meses), podemos imaginar o quanto que as coisas entre os Brothers tendem, naturalmente, a se tornarem mais agudas a medida em que o tempo passa.

Os participantes, portanto, se sentem observados e, como resultado, perdem sua espontaneidade; experimentam um tipo de confinamento e, desta maneira, se tornam mais irritadiços e estressados e, finalmente, com sua intimidade amplamente devassada, podem, potencialmente, se tornarem mais agressivos por falharem em regular os estímulos negativos do meio ambiente.

De fato, um verdadeiro caldeirão de processos psicológicos acaba, por assim dizer, bastante acionado.

Um experimento científico exatamente como esse nunca foi ainda testado, apenas uma variação que teve resultados imprevisíveis, diga-se de passagem. (5)

Mas, seria correto afirmar que boa parte das atitudes assistidas todos os dias já configurariam alguns dos sintomas psicológicos já decorrentes dessas situações?

Para se pensar, não é mesmo?…

Bem, depois disso tudo, se você ainda acha que seria fácil encarar um programa como esse, pense melhor. Eu posso lhe assegurar que viver um Big Brother não é para qualquer um.

Referências

(1) http://www.bbc.com/future/story/20140209-being-watched-why-thats-good

(2) https://www.wired.com/2013/07/solitary-confinement-2/

(3) https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4890253/

(4) https://www.theguardian.com/science/head-quarters/2013/aug/26/nsa-gchq-psychology-government-mass-surveillance

(5) https://www.simplypsychology.org/zimbardo.html




psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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