Faz algum tempo que venho escutando uma queixa recorrente entre algumas mulheres que conheço. Seja na minha vida pessoal ou no meu trabalho como psicólogo, tenho ouvido muitas reclamações femininas sobre os “homens que não desenrolam” nos aplicativos de paquera ou em qualquer um dos outros jogos virtuais de sedução.

A moça conheceu algum rapaz pela internet. Ele é interessante, conversa bem, consegue sustentar um jogo de sedução virtual, mas não desenvolve nada mais sério. Não chama oficialmente para sair ou, quando chama, é uma coisa meio esporádica, sem muita definição.

Existe até mesmo um certo desinteresse sexual quando cara a cara, sendo que no mundo das mensagens de celular tudo funciona muito bem.

Essas reclamações passaram a ser tão comuns que eu comecei a registrá-las. Acabei percebendo que não podia se tratar de um problema apenas individual. O tema é coletivo, uma mudança cultural aconteceu e o comportamento amoroso tem se transformado com sua entrada no mundo virtual.

Muitas dessas mulheres me contaram esse estranho fenômeno na esperança de que eu pudesse apresentar alguma teoria ou mesmo resolução para o problema. As pessoas acabam esperando que um psicólogo tenha respostas para esse tipo de coisa. Infelizmente [ou felizmente], não tive tempo para aproveitar nenhum desses aplicativos de paquera online.

Cheguei até a experimentar e aprender um pouco como funciona, mas não vivenciei nenhum caso através deles… não sei discutir os pormenores do que realmente acontece quando o intuito é, definitivamente, encontrar alguém para ficar, sair, criar um relacionamento ou participar de uma suruba com anões vestidos de palhaço.

Isso mudou quando os homens também passaram a falar sobre esses aplicativos comigo.

Comecei a produzir algumas teorias. Acredito que, se não respondem as perguntas, pelo menos melhoram a capacidade de análise.

Foi extremamente curioso perceber como o ponto de vista foi contrário. Alguns chegavam eufóricos, diziam que não sabiam como ninguém teve a ideia de criar um programa tão legal antes. Suas vidas afetivas estavam se transformando… e para melhor.

Claro que, tanto para os homens quanto para as mulheres, eu tive uma pequena amostra. Não tenho pretensão de apresentar um tratado com significância estatística para o funcionamento da paquera em contextos virtuais. Sei que muitas mulheres se divertem com tais aplicativos e já encontraram relacionamentos satisfatórios através deles, seja lá qual for o estilo, intensidade ou duração que elas buscavam em um relacionamento.

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Também sei que existem homens que sofreram com as estranhezas do mundo virtual e preferiram voltar rapidinho para o velho olho no olho e o “você vem sempre aqui?”.

O que apresento aqui está mais para um estudo de caso sobre o comportamento de paquera na internet e suas possíveis implicações. Não quero ser definitivo nesse artigo, na maior parte das vezes prefiro fomentar debates à concluir respostas.

Os tinderellos

O padrão de homem que me relatou a melhora nas conquistas amorosas com o mundo virtual tem um perfil interessante. A grande maioria deles se descreveu como gente tímida e com dificuldades de se relacionar na adolescência. Nunca foram sujeitos muito populares socialmente ou coisa do tipo.

Outra narrativa recorrente é que criaram meios alternativos para lidar com o sexo oposto. Tornaram-se inteligentes, aprenderam a ter uma boa conversa, criaram amizades femininas [muitas vezes oriundas de desejos frustrados] e aprenderam a ouvir e acompanhar o sexo feminino em seus desejos menos explícitos. Não sei se essas autodescrições são confirmadas na prática, mas é a forma como muitos deles se percebem.

Afirmam-me que, com o lançamento desses aplicativos, um problema grande foi resolvido: ler as posturas corporais, tons de voz, olhares ou expressões para identificar um possível interesse sexual. Como o jogo é mais direto e a escolha de um possível perfil interessante acontece antes de qualquer conversa, sentem-se mais confortáveis em mostrar suas qualidades e conquistar a pessoa do outro lado da tela. Questão essa [a tela] que também é importante, uma vez que protege um pouco da timidez, das mãos suadas, da gagueira.

O resultado, segundo eles, é um número muito maior de conquistas amorosas. A sensação de ser realmente bom no jogo da sedução e a percepção de que seus conflitos anteriores surgiam por conta do terreno onde a paquera acontecia. A autoestima se eleva e o aplicativo passa a se tornar um forte aliado. No meio disso tudo [re]surge um tanto de emoções conflitivas que vai desde a sensação de bem estar até um sentimento de rancor que lhe propõe uma chance de vingança contra o mundo. Ninguém sabe muito bem como lidar.

Tentando entender

Não é um processo fácil, mas cada informação nova que surge passa a fazer parte do quebra cabeça e permite tentar um cruzamento dos dados que acumulei.

Aproveitei os novos relatos que chegavam e comecei a testar hipóteses. Precisava perguntar mais sobre como as mulheres agiam e se sentiam nessa condição da paquera virtual. Descobri que muitas delas sentiram-se incomodadas em perceber que o homem com quem se comunicavam podia ter mais uma pretendente. Que o interesse por elas não era exclusivo e que deviam, de alguma forma, disputar a atenção da pessoa com quem trocavam mensagens.

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A insegurança que muitos rapazes sofreram era, agora, narrada pelas garotas. No caso deles havia um medo tremendo de estabelecer aproximação. No caso delas, o problema está em não saber como manter o interesse masculino ativo quando todos os sujeitos com quem conversam são potenciais “cafajestes” cercados por outras mulheres.

A mesma condição que estimula coragem no garoto anteriormente tímido, provoca insegurança na mulher que foi, durante sua educação sentimental, instruída a não ser ativa em seus interesses. Como bem sabemos, educamos os rapazes para conquista e as mulheres para esperarem o cortejo masculino. Esses aplicativos andam embaralhando as coisas.

Claro que não são os únicos responsáveis, mas é perceptível uma boa parte de influência.

Novos padrões

Engana-se quem tenta desesperadamente determinar que uma época e suas características sejam muito melhores ou piores que outras. Tudo que podemos afirmar é que são contextos diferentes e cada um deles possui vantagens e desvantagens… avanços e retrocessos.

Um pouco de inversão mudança nos papéis sociais é ruim para quem tenta se fixar numa posição única e recusa possibilidades de mudança. Mulheres, amigas e clientes, que passaram a tomar posições mais ativas quanto aos seus desejos, tiveram poder maior sobre suas capacidades. Isso não significa felicidade ampla, geral e irrestrita, mas, pelo menos, já significa não ficar à mercê de um indeciso qualquer.

No caso masculino, pude perceber que ao longo do tempo, essa postura indecisa também não proporcionou o melhor dos mundos. Se o aplicativo pode funcionar como um trampolim para ultrapassar a timidez e a vergonha, seu uso compulsivo, sem responsabilização pelas próprias atitudes, gera inflação do ego. O sujeito acredita ser um “pica das galáxias”, quando, na verdade, permanece como um sujeito medíocre que teve a oportunidade de demonstrar sua mediocridade para um público maior.

Ninguém sai ganhando com a guerra dos sexos, com as crises de relacionamentos, com as dificuldades sexuais. Os problemas, se causados por novas tecnologias, continuam tendo raízes muito antigas como a repressão sexual e a dificuldade de escutar o outro ser humano, indiferente dele estar perto ou longe.

Como já disse o grande Tom Zé:

“Se somos dois, que seja a valer. / Baião-de-dois não dá, não dá pra fazer / Sem dividir a bênção do prazer”.

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Marcelo Marchiori é psicólogo clínico, especialista em interpretação de sonhos e imaginação ativa. Escreve [quase] diariamente sobre psicologia, comportamento e sociedade. Pode ser seguido por seu perfil no Facebook. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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