Ser mulher sempre foi relacionado a desenvolver o papel de mãe, assim é quase uma heresia, mesmo em tempos atuais, pensar que nem todas estão aptas a exercer essa função, ou simplesmente não desejam.

A visão romântica da maternidade como algo natural feminino não se sustenta na realidade, pois para ser capacitada a exercer esta função, o bebê lentamente deve adquirir lugar em seu discurso, assim deve ser idealizado, mas também adequado a realidade. Mesmo no caso de filhos não planejados, durante a gravidez a mãe, se psiquicamente saudável, deve desenvolver preocupações e uma série de expectativas e desejos sobre esse filho.

O desejo em ser mãe pode ser ligado a uma série de aspectos problemáticos, como manter um relacionamento, assim como imposições sociais, afirmação da feminilidade ou também tamponar vazios próprios, idealizando demais um filho que pode não corresponder a estas expectativas. Há também mães que não conseguem desenvolvem este lugar do filho em seu discurso, assim acabam gerando esta criança sem desejo, nem mínima empatia para guiar os cuidados que este necessita.

Estes bebês vivem vazios e frustrações em suas demandas e desejos. Certamente, estas mães não puderam se identificar com as necessidades do bebê, nem acolher suas angústias. Não conseguem então reconhecer seus choros, então acabam muitas vezes terceirizando os cuidados destes filhos, ou simplesmente negando a demanda deles, sendo uma “mãe-morta”.

Green (1988) descreve como “mortas-vivas” estas mães que, em suas vivências como filhas, sofreram com falhas e por isso, não conseguem exercer tal papel. São mães que quando bebês experienciaram dificuldades com suas mães, assim não tendo como dar a estes filhos, o que também não puderam receber. Viveram falhas em obter experiências de prazer, assim como dificuldades em sentir segurança no atendimento por suas mães, em suas múltiplas necessidades, o que gerou falhas na constituição do eu.

A que a ausência materna gera a falta de representação interna desta, ou seja, grande insegurança sobre sua presença, o que pode se repetir nas relações da vida adulta. Desde muito cedo, a memória da mãe é apagada e há um desinvestimento, gerando uma imagem “oca”, um enorme vazio, o que futuramente uma incapacidade em estabelecer vínculos amorosos duradouros e satisfatórios (GREEN, 1988).

Filhos de mães-mortas crescem com queixas freqüentes de um “vazio crônico”, o qual muitos encontram caminhos para tentar preencher, saudáveis ou não, como arte, drogas, esportes e vícios em geral. Estas vivencias remetem a sofrimentos profundos vividos em fases que o bebê não consegue se expressar, então sente de modo intenso, gerando um registro inconsciente. (FREUD, 1937)

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A partir dessa experiência do irrepresentável, Freud(1937) introduz o conceito de compulsão a repetição, ou seja, são pessoas que repetem ações e não conseguem elaborar as motivações, o que é bastante comum na sociedade atual, como no caso dos vícios, como por exemplo o alcoolismo. Marucco (2007) entende que a repetição é preferível à recordação, pois esta não pode ser modificada, ao passo que na repetição existe a esperança de modificação. Porém o que segue ocorrendo é a descarga do excesso, já que sozinho o sujeito não consegue dar conta do traumático.

É indispensável a presença de um outro que vá nomeando, dando um sentido e um símbolo àquilo que foi tão traumático e intenso. A repetição, para esses pacientes, impõe-se na tentativa de impedir a lembrança do passado traumático e as recordações de privação, as quais o eu precocemente se enfrentou com o desamor e situações de desamparo. (MARUCCO, 2007)

Estes filhos de mães-mortas viveram então traumas, os quais são impressões precocemente experimentadas e mais tarde esquecidas, marcadas em um corpo, porém sem definições precisas. A partir da vivência dos traumas precoces, o filho comunica uma grande desorganização interna, mas não sabe nomear verbalmente o que sente ou foi vivido, mas se pode perceber que suas ações impulsivas e falta de capacidade de simbolização comunica que há experiências afetuosas não elaboradas em sua constituição. (FERENCZI, 1929/1992)

Adultos filhos de mães-mortas ou ausentes apresentam uma intensa angústia de separação, então não suportam frustrações, términos, e isso reflete em lutos intermináveis ou não elaborados, gerando sempre sofrimentos pelo passado. (GREEN, 1988)

Embora ser mulher ainda seja muito ligado a desenvolver o papel de mãe, este não é fácil nem recomendável a muitas. Antes de gerar uma nova vida, há que se ter uma boa organização psíquica e saúde mental própria. Esperar um filho, durante a gravidez, ou adotar um, requer uma série de reflexões sobre os desejos ou a falta deles.

Ser mãe é muito mais do que ser mulher, ou saber amar, é ter aptidão psíquica em desempenhar um papel tão importante de devoção a um bebê. Cada mulher deve encontrar sua medida, ouvir seus desejos e expectativas, se conhecer muito bem antes de abarcar nessa missão. Se não há saúde mental familiar, é quase impossível que este bebê seja um adulto psiquicamente saudável.

Referências
FERENCZI, S. A criança mal acolhida e sua pulsão de morte. In: Obras completas. Psicanálise IV. A. Cabral, Trad. São Paulo: Martins Fontes. 1929/1992.
FREUD, S. Construções em análise. In: ______. Moisés e o monoteísmo, esboço de psicanálise e outros trabalhos. Tradução sob a direção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1975. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. 23, p. 289-304). 1937.
GREEN, A. A mãe morta. In: Green, A. Narcisismo de vida narcisismo de morte. pp. 239- 273. São Paulo: Editora Escuta Ltda. 1988.
MARUCCO, N. C. Entre a recordação e o destino: A repetição.Trabalho apresentado em Conferência na Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo em 10 mar. 2007.




Psicóloga, estudante de Psicanálise. Colunista do site Fãs da Psicanálise.

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