O sexo que a gente faz no sábado à noite começa na segunda-feira de manhã.

A transa boa do fim do dia, a vontade que surge na proximidade dos nossos corpos começa bem cedinho, quando você acorda antes de mim e prepara uma água morna com limão, e eu saio para comprar um pãozinho fresco na esquina. A nossa transa boa começa com os olhos e com o silêncio, na leveza que a nossa convivência consegue manter. Faz parte dessa transa as risadas que a gente ainda sabe dar um com o outro, as pequenas gentilezas no cansaço da rotina. O nosso sexo é resultado dos dias que soubemos descansar o corpo e a mente, das noites que dormimos inteiras, das mãos que demos ao atravessar as ruas e os problemas.

É bom como a frase ‘fica tranquila, vai ficar tudo bem!’, naquele dia em que tudo desaba e a gente não vê saída. A energia do nosso ato de fazer amor começa na gratidão que estamos aprendendo a sentir pelo universo, na paixão que a gente preserva pela vida, no café preto que a gente senta na varanda pra tomar quentinho, segue pelo vinho tinto que gostamos de degustar numa quinta-feira monótona.

Nosso fazer amor passa pelos filmes bobos que a gente assiste, pelas mudas de tempero que a gente plantou no quintal, pelos planos compartilhados, pela simplicidade que a gente soube voltar a ter nesse mundo. Nosso sexo é desnudo, é humano, é instintivo, é consequência de uma vibração boa, relaxada. Na nossa cama não tem dinheiro, carros caros, alugueis atrasados, não tem lingerie de luxo, atuações despropositadas. Na nossa cama a gente não deixa entrar ciúmes, celulares, forçação de barra.

Às vezes tem um pinto mole e uma vagina seca. Às vezes tem ronco, mau hálito, sono profundo. Outras vezes tem luz boa da terça-feira de feriado, tem umas horas a mais pra não fazer nada, tem a primavera chegando e animando as nossas almas aventureiras.

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Nosso sexo é livre, simples e ousado. Sem regras, sem exigências. É consequência da forma como a gente tece os dias. Às vezes ele é lento, às vezes é rápido, às vezes é intenso, às vezes é mais raso, mas ele é sempre respeito, carinho, amor, bom contato. Às vezes a gente dá risada, às vezes a gente chora juntos.

Nossas transas são coisas boas da vida, imperfeitas como a gente gosta de ser, espontâneas, verdadeiras, criativas e tão manjadas.

Quando a gente briga a gente não quer transar, a gente nunca acaba em pizza, porque pra nós sexo é um manjar dos deuses, é um ritual, é um banquete, mesmo que seja de pão com queijo derretido, sempre faz muito sentido, a gente sempre dá valor e põe boas intenções.

Nossas preliminares (antes das propriamente ditas) são a vida, por isso na hora do vamos ver tudo se encaixa, mesmo que nada entre, mesmo que nada transborde.

Às vezes somos mar em movimento, outras vezes suspiro na praia.

Não que a vida seja só sexo, mas tudo que passa nela vibra na cama, no contato de nossos corpos e almas.




Clara Baccarin é paulista dos interiores, nascida nos anos 80. É escritora, poeta e agitadora cultural. Faz parte do grupo editorial Laranja Original. Publicou, pela editora Chiado, o romance poético Castelos Tropicais (2015) e a coletânea de poemas, pela editora Sempiterno (2016), Instruções para Lavar a Alma. Em 2017 lança, em parceria com músicos e compositores, o álbum Lavar a Alma, que reúne 13 de seus poemas musicados. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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