Todos os dias nós, médicos, nos deparamos com pessoas cuja maior preocupação é evitar a morte. Na melhor das hipóteses, alguém se conforma em, pelo menos, prolongar a própria vida.

São pessoas que, diante de doenças graves ou condições de risco, são obrigadas a se confrontarem com essa incômoda e angustiante verdade universal: a de que todos acabaremos. E não é fácil mesmo.

A vida, por mais complicada que seja, em geral tem saldo positivo. É através dela que interagimos com pessoas que nos fazem sentir bem.

É vivendo que podemos desfrutar das ondas do mar lambendo nossos pés, do som dos nossos filhos brincando, das palavras carinhosas de um amigo, do gosto do bolo de fubá com goiabada. É da vida que extraímos a emoção de assistir a filmes brilhantes, compartilhar atitudes de compaixão, receber demonstrações de amor sincero.

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A perspectiva de não poder nunca mais vivenciar coisas assim nos apavora, e nos faz querer viver para sempre. E viver para sempre, é lógico, é impossível. Será?

Fernando Pessoa escreveu que o valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem, e que por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis. Eu ouso acrescentar, aqui no final da frase, “vidas intermináveis”.

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Faço isso em nome dos meus vários anos já vividos (cada vez em maior número…), mas principalmente em nome das vivências que compartilho com pessoas únicas, que vivem a difícil tarefa de conviver com a perspectiva de morrer, e cujo maior ensinamento são as estratégias para fazer seu tempo valer mais: é assim que minutos viram horas, horas viram dias, dias viram anos, e a vida não termina.

A percepção do tempo muda de acordo com a forma que escolhemos para vivê-lo. Somos capazes de lembrar de forma vívida e detalhada cada segundo do nosso primeiro beijo, mas mal sabemos dizer qual a cor do ônibus no qual passamos metade da manhã para chegar ao trabalho. O primeiro beijo, embora tenha durado apenas alguns segundos (com sorte, pouco mais de um minuto), nos parece ter ocupado horas das nossas vidas. Já o ônibus…

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É a intensidade que nos faz lembrar das coisas. E a nossa vida, em última análise, é apenas a soma daquilo de que nos lembramos. Minutos que não têm significado não são dignos de serem lembrados. São minutos perdidos, subtraídos das nossas vidas.

Não é necessário ser um gênio da matemática para fechar essa conta: quanto mais intensos, surpreendentes e sinceros nossos momentos, mais longa nossa memória a respeito deles, e é isso que tornará nossas vidas eternas.

O que vejo é uma grande preocupação com a quantidade de tempo que ainda temos para viver, e um descaso desconcertante a respeito do que fazer com esse tempo. Uma paciente jovem, que estava vivendo angustiadamente seus últimos meses de vida, costumava me perguntar quanto tempo ela ainda tinha, e fazia isso quase todas as semanas.

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Um dia, perguntei a ela: “Carla, se eu garantisse que você ainda tem dois anos pela frente, o que exatamente você faria com esse tempo?”. Ela me olhou confusa e, depois de alguns segundos (que provavelmente lhe pareceram horas), respondeu: “Doutora, sabe que eu não sei?”.

Uma vida vivida de acordo com nossos próprios valores, permeada de pessoas que nos estimulam a sermos melhores, uma vida em que somos capazes de sorver cada minuto com o melhor que ele tem a nos oferecer, essa é uma vida que vale a pena. É um tempo com significado, um tempo valioso, um tempo interminável. É uma vida que não acaba nunca. Nem mesmo quando a morte chegar.

Via nossa página parceira: No Final do Corredor
Autor: Ana Lucia Coradazzi



A busca da homeostase através da psicanálise e suas respostas através do amor ao próximo.

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