O que cabe dentro do ‘eu te amo’? Quantas vezes dizemos essas três palavrinhas querendo significar tanta coisa menos carinho, amor, gratidão?

‘Eu te amo’ virou ‘bom dia’, ‘boa noite’, ‘tchau’…

‘Eu te amo’ virou pedido de desculpa esfarrapada, naquelas situações que a pessoa pisou feio na bola pela 15ª vez e vem com aquelas frases do tipo: ‘apesar de tudo o que fiz, eu te amo’. ‘Eu te machuquei, mas eu te amo’. ‘Não te dou mais atenção, mas eu te amo tanto’.

‘Eu te amo’ também é tantas vezes usado para assegurar propriedade. Você mal conhece a pessoa, se encontraram poucas vezes, e ela vem dizendo ‘eu te amo’, aí sem perceber você assinou um contrato invisível de posse.

Agora, de certa forma, você pertence à ela. Afinal, a pessoa disse até ‘eu te amo’, agora você tem que cuidar do sentimento dela, você selou um contrato de responsabilidade.

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‘Eu te amo’ pode ser jogo de poder, pode ser chantagem emocional, naqueles momento em que vem cheia de lágrimas nos olhos, diz um ‘eu te amo’ e amolece mais uma vez seu coração cansado.

‘Eu te amo’ tapa buracos, fica no lugar dos momentos não vividos, soluciona a falta de tempo com o parceiro, com a família, com os filhos. ‘Eu te amo’ preenche os espaços da nossa falta de criatividade, naquele cartãozinho de aniversário, naquela mensagem morna que chega à tarde.

‘Eu te amo’ virou ‘tudo bem’, mesmo naqueles dias que estamos péssimo s e alguém pergunta ‘como vai você?’, e respondemos ‘ta tudo bem’ por educação e para evitar contar nosso conflito.

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‘Eu te amo’ também serve pra isso, para mascarar um ‘não ta tudo bem e eu não te amo mais’.

‘Eu te amo’ está mais rodado que nota de 2 reais.

Ah, como a gente gastou o ‘eu te amo’!

Ele inflacionou, ele anda por todas as bocas, mas poucos olhares encaram um ‘eu te amo’ de frente, entregue, firme, verdadeiro.

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Ele sai assim sem empolgação, pela metade, meio sujinho. Ele sai com tantas emoções – choro, desespero, descaso – e poucas vezes com a emoção verdadeira do amor.

O ‘eu te amo’ está banalizado. Faz tempo que a gente já nem toma cuidado, já nem se dá conta. Vamos dizendo ‘eu te amo’ politicamente por aí, vamos usando como arma para tantas coisas.

Vamos criando laços de afeto quando não estamos preparados, e rompendo conflitos que deveríamos deixar surtir efeitos em nós para colhermos os aprendizados.

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Os ‘eu te amo’ falsos atrasam o florescer do nosso amor próprio, e também do amor verdadeiramente partilhado.

Aquele que tem momentos de puro ‘eu te amo’ e outros de silêncio, contenção e ‘não, agora não te amo’, dessa forma, desse jeito, neste momento.




Clara Baccarin é paulista dos interiores, nascida nos anos 80. É escritora, poeta e agitadora cultural. Faz parte do grupo editorial Laranja Original. Publicou, pela editora Chiado, o romance poético Castelos Tropicais (2015) e a coletânea de poemas, pela editora Sempiterno (2016), Instruções para Lavar a Alma. Em 2017 lança, em parceria com músicos e compositores, o álbum Lavar a Alma, que reúne 13 de seus poemas musicados. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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