SUA TERRA não é necessariamente o lugar onde você nasceu. Sua terra é onde você se sente em casa e isso pode ser também em algum outro canto do mundo.

SUA FAMÍLIA não é necessariamente aquela na qual você nasceu. Sua família são aquelas pessoas que lhe receberam em seu coração e lhe amam de verdade e esse amor profundo e verdadeiro pode vir também de gente que não tem um laço sanguíneo, mas é madeira da mesma árvore, é farinha do mesmo saco e pode ser tão família, às vezes até mais, que os parentes e agregados.

Tem gente que já chega neste mundo com o sentimento de ter sido largado no lugar errado, na família errada ou mesmo ambos. É um sentimento horrível, pois não tem coisa pior que não saber onde é seu lugar ou se sentir tão sozinho no meio de tanta gente, pai, mãe, irmãos e irmãs, primos e primas, tios e tias, avôs e avós, cunhados e cunhadas, mas todos tão distantes, mas todos tão estranhos, mesmo que familiares.

Ao longo de meu caminho, encontrei muita gente que sofria por causa disso. Uns viviam num lugar que não os fazia bem e tudo que eles queriam era sair dali, já outros sofriam era dentro de casa por se sentirem peixes fora d‘água ou como a quinta roda de um carro, envoltos de pessoas que eles até amavam, mas não se sentiam aceitos por elas, não assim como realmente eram, também não se sentiam compreendidos e, assim, se sentiam solitários.

O sentimento de estar na família “errada” é bem pior que o sentimento de ter nascido na terra “errada”, pois podemos mudar de rua, bairro, cidade, estado ou mesmo de país, mas mudar de família? Parente fica parente, tanto faz o que aconteça. Família de sangue a gente não escolhe e não tem como mudar. Mas é possível sim encontrar sua família “certa”, mesmo que não se tenha elos sanguíneos com ela.

Tanto faz se é o sentimento de lugar “errado” ou de família “errada” que lhe faz sofrer, seria bom cuidar disso com certa prioridade, pois sei bem o quanto viver assim faz mal, freia, prende, como uma bola de ferro acorrentada no tornozelo. Sair arrastando isso com você por aí é prolongar um sofrimento e sacrificar ainda mais do seu precioso tempo por aqui. Para ser feliz (pelo menos um pouco), o ser humano precisa se sentir bem em sua pele, em sua morada e com quem mora/convive.

Acredito que, antes de qualquer outra coisa, você deveria buscar o diálogo aberto com você mesmo e se perguntar, da forma mais honesta possível, onde você acha que está a causa desse sentimento e se ele corresponde à realidade. Digo isso porque muitas vezes nos perdemos em nosso sofrimento de uma forma que nos falta um pouco a objetividade. Talvez não seja realmente tão grave assim viver onde vive e talvez a família só pareça ser a “errada” no momento por causa de algum conflito mal resolvido ou uma crise que a família (ou você!) esteja atravessando.

Precisamos ter cuidado com nossos sentimentos. Devemos sempre levá-los a sério e eles devem ser considerados em nossas decisões, mas, antes de decidir, é bom dar uma recuada para filtrar um pouco o que sentimos e ver a coisa com mais clareza.

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É possível que sua família nem seja a errada para você. Talvez o “erro” esteja somente na forma de que vocês se comunicam. E aquele outro lugar, com o qual você sonha, onde acha que viveria melhor, talvez nem seja tão bom assim e talvez você só esteja desejando (sem perceber) uma aventura ou usando a vontade de mudar como uma desculpa para fugir de alguma outra coisa.

Escrevo sobre esses dois sentimentos, o de viver no lugar errado e o de ter a família errada, porque eles estão estreitamente ligados um com o outro. Muitas vezes, o desejo de mudar de lugar vem do não se sentir bem com as pessoas à sua volta, principalmente com os parentes.

É preciso ser sincero consigo e refletir sobre os motivos, sobre o que lhe leva a se sentir assim, pois somente com honestidade você poderá reconhecer a causa do problema para assim poder resolvê-lo. Qualquer outra coisa seria enrolar a si mesmo, o que, francamente, não faz sentido.

Se, depois de refletir, você estiver seguro que quer sair de onde está, quiser ir para outro lugar para começar de novo, para descobrir o próprio caminho, vá embora, mesmo que seja para fugir da família (ou do lugar), contanto que você fuja consciente, sabendo que, em primeira linha, você não está fugindo dos outros, mas indo encontrar a si mesmo.

Acho que nunca devemos esquecer o quanto somos frágeis, principalmente quando mexemos (ou alguém mexe) em nossas emoções, e que, por isso, seria mais inteligente resolver essas coisas e tomar decisões sempre com serenidade e sem pressa, essa pressa que é fruto de nossa impaciência, que nos faz querer as coisas logo, que a dor passe logo, que o sorriso no rosto volte logo, que tudo aconteça logo.

Quem sofre, tende a ser impaciente. Mas quem sofre consciente e aceita seu sofrimento como parte da vida e de um caminho de crescimento e aprendizagem, torna-se mais paciente, pois, em sua honestidade consigo mesmo, ele reconhece que foi exatamente essa impaciência que causou muitos problemas no passado, e talvez ele esteja mastigando alguns deles até hoje. Mudanças precisam de tempo. E de calma. A natureza nos mostra isso claramente: árvores que crescem rápido, caem mais facilmente com qualquer ventania, enquanto aquelas que crescem lentamente suportam o sopro de qualquer tempestade.

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A pressa atrapalha muita coisa e, principalmente, ela estressa; estresse não é nada bom para quem está querendo arrumar seus sentimentos. Estresse causa tensão (também muscular) e pode desarranjar a digestão e descompassar o coração, abalando a saúde e estendendo o problema, tornando-o também físico.

A serenidade ajuda também a ver as coisas mais claramente. Quem anda rápido, vê menos que quem passeia tranquilo e atento. Ela talvez lhe ajude a reconhecer que tudo na vida tem pelo menos dois lados e a tentar ver as coisas também com os olhos dos outros, escutando-os, buscando compreendê-los, mas sem se corromper, sem se perder em discussões desgastantes e que nada somam, sem brigar, sem desperdiçar a própria energia, concentrando-se em seu objetivo, naquilo que você busca: sua paz interior.

Com serenidade você também terá a chance de perceber que você não nasceu no lugar errado, nem na família errada e que há algum motivo para você ter ido parar onde parou. Se você precisou de uma família “errada” para crescer e ficar mais forte e chegar aonde está hoje, então essa família não pode ter sido tão errada assim. Talvez foi exatamente essa família que você precisou e talvez ainda precise para se tornar quem você realmente é.

Veja a terra e a família onde nasceu como seu ponto de partida neste mundo. O tempo que você lá passou ou está passando é um preparativo para o caminho que você pode seguir na hora que resolver dar o primeiro passo.

Por pior que tenha sido seu caminho até agora e por mais forte que tenha sido seu sofrimento, não permita que sentimentos ruins tomem conta de você. Ódio, rancor, sentimento de vingança e essas coisas que só servem para sobrecarregar a vesícula não deveriam ter espaço em sua vida, pois elas farão mal principalmente a você mesmo. Ainda que os outros sejam hostis, seja gentil, não perca a cabeça e, aconteça o que acontecer, more em você, habite-se, fique centrado e seja você. Tente praticar a gratidão (você sabe que nem tudo foi ruim e é grato pelos momentos bons) e o perdão (perdoe, mesmo que o outro não mereça, pois você merece). Fique aberto ao diálogo, mas mostre bem os limites. Respeito mútuo deve sempre ser a base de qualquer encontro.

E, quando isso não for possível, talvez porque os outros lhe tiram do sério, afaste-se, resguarde-se, não permita ser contaminado por energia ruim. É possível que, em alguns casos, esse se afastar será para sempre.

E, para terminar: não sinta consciência pesada por buscar seu caminho e tentar ser feliz. Esse é um direito seu, mesmo que tenha que se afastar de parentes bem próximos. Seja sincero com você mesmo, seja autêntico, busque entender o que você realmente quer, ponha isso em prática e você verá que atrairá gente verdadeira, gente que lhe quer bem, gente que gosta de você por você ser você, gente bacana que um dia pode se tornar sua família “certa”.




Blogueiro residente em Berlim. Apaixonado por palavras, viciado em escrever, sem luvas, tocando no assunto, porque gosta e porque precisa, sobre a vida e tudo que a toca. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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